terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Sobre 2013 [o melhor do ano]

Pensar que quando começou, nem eu fazia ideia do que ia acontecer depois. Era dia 1 quando me meti no avião para o Chile. Um calor sul-americano, a Plaza de Armas e a La Moneda, uma crise de coluna em pleno Valle de La Luna em San Pedro de Atacama. A emoção de conduzir milhares de quilómetros para chegar a um deserto com o pôr do sol mais bonito que eu já vi na vida.


O vento na cara, a pele cor de laranja do sol e eu a pedir ao sol e ao céu gigante e à areia das dunas e às estrelas que me deixassem mudar de vida, tentar noutro sítio, aprender a integrar-me outra vez. 2013 desafiou-me [desafiei-me] porque enquanto eu ainda andava em pedidos ele já tinha preparado a mudança. Chegada a Lisboa depois de comemorar os anos no sambódromo, partia para a Colômbia con mucho gusto. As delicadezas que ampararam o primeiro desaparecimento da primeira mala de viagem. E o regresso já de mala protegida com etiqueta e outra mala perdida. Está tudo bem.


Chegar e entrar outra vez na rotina, que boas férias, que bons dias de sol e de calor, de coração cheio. Viajar, ir a Itália, à Alemanha. Entrevistar gente, andar a mil como eu gosto, jantares e lanches, fins de semana bons, o calor da casa e da casa dos avós em domingo de Páscoa. A notícia de que afinal eu ia, tratar de papéis e deixar tantos por tratar. Ser madrinha de casamento. Chorar. Despedir. As respostas que tardaram, a mudança de cidade, de país, de casa. De casas.


Falar castellano com j, como castejano, comprar o SUBE e andar de Subte. Habituar, habituar, fazer um esforço. Sair da zona de conforto, começar outra vez, noutro sítio. Sozinha. Escrever de outra maneira, criar más interpretações, seduzir, ganhar confiança. Ver que os domingos não têm que ser dias de nostalgia, aproveitar os mercados e ter a certeza que, depois do Inverno vem a Primavera. E que depois de dois Invernos vem uma Primavera ainda melhor. Mudar de casa três vezes, encontrar A Casa porteñoportuguesa. Sentir-me em casa fora de casa. Ser assaltada e perceber que a cabeça é quem comanda e que, sendo assim, e não podendo remediar o que não tem remédio, mais vale passar à frente e tratar das coisas que ninguém vai lá por ti. Chorar de dores na coluna e chorar de saudades. Chorar de alegria de rever os pais, a irmã, as amigas, a madrinha e o Miguel. Escrever muito, escrever tanto que acho que nunca escrevi tanto assim. Escrever em português, em inglês e em espanhol. Sentir cada vez mais conforto a escrever em português. A cabeça descansa quando escreve em português, sempre que lê português.


Voltar ao Brasil e voltar outra vez. Conhecer Mar del Plata, Mendoza, Montevideo. Voltar a Colónia, fazer reportagem em Gualeguaychú, em Medellín, em Lisboa e no Porto. Em pessoa, por telefone, tantas vezes por Skype. Dançar, cantar, gritar, cantar alto, dançar na rua. Usar poucos saltos altos, muitas sapatilhas. Cair várias vezes. Duas no Chile, duas em Buenos Aires, outras tantas no Rio.


Aprender a elogiar o nosso, a dar ainda mais valor. Chegar e parecer-me que não mudou nada, que os cheiros são os mesmos e que as pessoas também. E que isso é bom.


Fazer planos, preparar candidaturas. Andar a correr, sempre a correr, o ano, este ano, que foi o mais rápido de sempre. Andei ocupada - sei que andei. Andei feliz da vida. Aprendi muito, tive tempo para ler outras coisas, conheci muita gente nova e dei-me a conhecer a novos amigos e a amigos de sempre. 2013 foi ano de mudança. Quero poder dizer que foi a preparação para o que aí vem. Venha o próximo.  

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Quatro dias de Floripa

Primeiro, o bafo quente do Verão que aquece à saída do avião. Floripa é quente e dá para ver nos abraços no aeroporto. A tia Sandra espera de cartaz nas mãos da "motorista particular", Edna. As duas transportam-se pela ilha de carro e, a última, muitas vezes de bicicleta eléctrica (sobretudo de uma casa à outra - são vizinhas) "para não cansar, sabe?" Encontrei elas, perdão, encontrei-as, as duas de gargalhadas fáceis, as duas à espera do mesmo que eu. Depois, os abraços da Débora, com quem me encontrei na Ilha da Magia. Floripa, a ilha, é bem mais do que aquilo que eu tinha percebido quando visitei pela primeira vez. O aeroporto - sempre o aeroporto - cheio de gente, de boas energias, de abraços esperados e de gritos histéricos da surpresa de quem há muito não se via. 

A praia, os pés escaldados e a cabeça vazia de tudo. Sem telemóvel, sem internet, quase sem máquina fotográfica. Sem dar notícias, sem ter notícias. E isto é difícil para mim, acreditem. O centro mais estranho do que nunca, com árvores de Natal e duendes e a Mariah Carey a cantar "All I want for Christmas is you" nas colunas penduradas na figueira da praça central ao mesmo tempo que os termómetros medem 34ºC.


A praia Brava tem um mar bom de mergulhar, sem fundões e com vento que até disfarça o sol quente.  Não tem cafés, mas que falta fazem os cafés quando há um mini-mercado onde podemos comprar uma embalagem de queijo creme e passar por ela bolachas de cereais? Tem autocarro mas nós tínhamos boleia, e isso é o melhor do mundo em Floripa: ter uma maneira de chegar de um sítio ao outro. Nem sempre foi assim e aí há que habituar aos horários que não se cumprem, mesmo na central de ónibus. Habituar também às curvas apertadas da ilha e que os motoristas fazem questão de salientar, à falta de assentos e ao calor, mesmo com as janelas escancaradas. Habituem-se ainda os corações e as bocas, que os sorrisos e as gargalhadas são coisa que não falta entre algumas queixas de que a "Copa pulou Floripa", de que "os políticos não fazem isto e aquilo" e a "gente anda fugindo disto e daquilo", e o mau ambiente do "vizinho gringo que vende droga" e os preços que "não param de subir, viu guria?" e tornam Floripa um lugar onde "a gentji não pode mais viver bem".   

A Lagoa da Conceição, aquele barco de madeira com nome de gente, aqueles miúdos metidos no barco para irem para a escola. As conversas sobre as prendas para a troca do amigo secreto, os miúdos entusiasmados a taparem a boca para não lhes escapar o nome do sortudo que tem a prenda que eles queriam para eles. Depois, as casas à beira da lagoa. As canoas, os caiaques, os barcos. As casas de madeira com janelas grandes para deixar entrar a luz e os sons dos pássaros e do barco a passar e da gente na cascata ou no posto médico ou nos caminhos de terra ou até nos restaurantes à beira-lagoa. Um cais em cada casa disfarçada no meio da floresta tropical onde só se vêem meia dúzia de janelas com vista para o azul esverdeado que nunca cansa. O miúdo a mergulhar na lagoa com o sol já a pôr-se e os outros, tipo público, a aplaudirem a coragem e o ritmo do entra da água-corre no pontão-salta para a água- nada-entra na água que parece nunca mais acabar. O cheiro a familiar, a passeio que já se fez e se refaz, uma coisa que parece nossa parecendo estranha. A lagoa que muda de cor conforme a hora do dia, a praia que muda a nossa cor da pele conforme as horas de sol, a gente que muda a nossa cor de espírito conforme a energia das palavras, "eu bem 'tava reconhecendo esse sotáqui", o "oi?" que nos faz sorrir apesar dos nervos de falarmos todos a mesma língua e eles não nos entenderem, viu? As pessoas daquela terra vivem em casas de cores na ilha da magia. E isso, quer queiramos quer não, faz delas diferentes de todas as outras pessoas do mundo. 

A Mole continua a ter os garotos mais gatos da ilha, que carregam as pranchas areia acima, mar abaixo, largando sorrisinhos para as garotas estendidas ao sol ou jogando vólei. O pastel de queijo, o pastel de camarão, a skol gelada, o último mergulho no mar do ano em pleno Dezembro. Era capaz de me habituar, confesso. Pelo menos por mais uns dias.

Ainda assim, o Natal aqui não tem sabor de Natal com frio na cara e cachecol bem chegadinho ao pescoço. Mas a isso já iremos. Nem Buenos Aires nem Floripa obrigam a um cappuccino quentinho e a tirar os casacos quando entramos num café qualquer. Obrigam antes a tecidos finos, a chinelos nos pés, a saias e a calções sem meias, a vestidos esvoaçantes. Mas há nestes sítios a magia de olhar para as árvores iluminadas com luzes de Natal e ver para lá das temperaturas, sabendo que nada se compara a um Natal em casa. Até já.  

sábado, 14 de dezembro de 2013

buenos sábados #32

À minha frente, na fila do check-in, um homem vestido com calças de ganga, botas de cowboy, camisa azul e um grande chapéu de palha beija no pescoço uma loura platinada de cabelos compridos, que ultrapassam a linha do cai-cai às flores cor-de-rosa que conjuga com umas alças de soutien preto à mostra. Estamos em fila para S. Paulo, cidade gigante de cima, que imagino ainda maior vista da terra. 
Eles estão à minha frente. Ela balança o cabelo, ele olha para ela e sorri. Empurram o carrinho das malas, querem chegar a casa. Mais nos aproximamos, mais me surpreendo com o que vem a seguir. Metido no bolso da camisa, um passaporte português e um bilhete de identidade dos antigos. Buenos sábados em Buenos Aires. Mais um.  
[e começar o sábado numa festa com amigos, numa varanda. calor em Dezembro, calor bom em Dezembro que parecem as noites de Agosto. tanto e tão boa que até teve direito a chuva de estrelas. e a pedidos de desejos de olhos fechados. depois, acordar com a luz de sábado cheio de sol, fazer a cama, arrumar o quarto, um bom banho para acordar, uma boa mala para fazer. e este check-in. e depois outro, em S. Paulo. e agora, a escala para Floripa. é lá que começa o meu Verão.]

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

sexta-feira treze.


Por muito que pense no assunto, não consigo lembrar-me se me disseram primeiro ou se fui eu que percebi que a sorte não se faz sozinha. Sempre tive a mania das datas - tenho muita facilidade em decorar números, dias, nomes e caras - mas acho que nunca tive medo das sextas-feiras treze. Há qualquer coisa nos dias prometidos que me deixa na expectativa. Não guardei para fazer hoje mas a coincidência enche-me de entusiasmo: hoje, sexta-feira treze, meti mais uns papéis. Agora é torcer. Ou melhor, confiar. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

um problema de horas.

Há por cá um problema de horários. As aulas estão marcadas para as 9h30 mas nunca começam antes das 10h10. Quando ontem nos avisaram, por email, que afinal hoje começávamos às 10h, ainda pensei que alguma coisa pudesse mudar [podia ser que o problema fosse de transportes, de não fazer bem as contas, sei lá]. Mas não. Hoje começámos às 11h. E o professor que vinha às 12h30, às 12h55 ainda não tinha dado sinais de vida. 



Relógio:Casio|Quadro:Falabella|Fotografia:Instagram

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

sete meses de Buenos Aires

Quando as coisas nos são estranhas e a rotina ainda nos é desconhecida, sentimo-nos mal. O desconhecido assusta, sentimo-nos mais pequenos, menos capazes. Ficamos nervosos ao primeiro não. Quando isso acontece num país que não é o nosso e nem sequer nos conseguimos expressar como gostávamos, a coisa complica. 
Viver fora, viver a milhares de quilómetros de casa, é sempre assim. Primeiro, é o esforço de nos adaptarmos ao ritmo de uma cidade onde nunca vivemos. Depois de já não precisarmos do mapa para irmos aos sítios mais comuns, é hora de nos aproximarmos das pessoas. Fazer amigos, combinar jantares, ficar contente quando somos convidados para os programas que combinam com os amigos deles, anteriores a nós. Há dias em que o nosso corpo cria resistências, em que o sotaque não é daqui nem de outro sítio qualquer e em que até as palavras mais fáceis se tornam impossíveis de dizer. É nesses dias que temos vontade que o regresso chegue depressa e corremos para casa - porque temos a sorte de viver com gente que afinal nos percebe melhor do que ninguém, por estes dias. Há outros dias em que as coisas se descomplicam: em que inventamos palavras, repetimos expressões porteñas como se já fossem as nossas e sorrimos sem querer ao porteiro que corre a abrir-nos a porta só para não nos obrigar a tirar à pressa a chave da carteira. É nestes dias que nos sentimos bem. Buenos Aires, ao fim de sete meses, já é quase sempre assim. O prédio para cuja porta o porteiro corre para nos deixar entrar e nos poupar a corrida à chave. A casa na qual somos bem-vindos. Como se fosse a nossa. 









sábado, 7 de dezembro de 2013

buenos sábados #32


não sei como raio passou tão rápido. o penúltimo sábado do ano em Buenos Aires chegou assim, meio de repente mas já contando. trouxe novas visitas, gente que não conhecia, e encheu-nos a casa outra vez. só fazendo as contas se pode saber quantas pessoas passaram por esta casa desde que cá estou. muitas andam a viajar pelo mundo. é bom sentarmo-nos à mesa a conversar sobre as histórias que trazem bordadas nas mochilas que a Sur adora. Passeamos pela cidade, andamos pelas ruas já de cor e há tantas vezes tanta gente que conhecemos em comum que depressa as visitas desconhecidas se tornam amigas. entre tantas palavras escritas em trabalhos de universidade e trabalhos de jornal há muitas conversas cruzadas, muitas misturas de frases que chamam a atenção. há bilhetes queridos deixados na mesa, garrafas de vinho, rolos de papel higiénico e até cortes de cabelo que servem de agradecimento pelo colchão na sala, pela água quente do banho e pela chave de casa a mais sempre à espera de novos donos que guardamos no chaveiro só com quatro pregos. jantamos fora - mais um bom bife - e o tempo de espera no restaurante transforma-se numa conversa boa. mais um sábado bom, o trinta e dois. 

sábado, 30 de novembro de 2013

buenos sábados #31


é fim-de-semana de correria e de cansaço. acordar com vontade de ficar mais tempo na cama. esfregar os olhos, abrir a persiana, olhar para a rua. o tempo está de sonho: calor, sol, a rua toda verde e lilás numa Primavera que desejámos todos muitas vezes cá em casa. mas a vontade de sair é pouca quando se põe, lado a lado, com o que se tem que fazer. há trabalhos - tantos trabalhos para entregar. prazos e mais prazos de coisas, candidaturas, textos. o tempo passa rápido e, nestas últimas semanas antes do Natal, tão mais rápido e sem darmos por isso que nem sei. valem-nos as primeiras cerejas do ano, compradas a 50 pesos/quilo na rua, num quase-Verão de fim de ano. já lá vão 31 sábados. nossa. e que comece Dezembro. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

buenos sábados #30


foi sábado de bobage. sábado de baldas ao curso, sábado aproveitado em casa para escrever, para pôr alguns trabalhos em dia. sábado de mesa e cadeira, de computador e de leitura. escrever toda a tarde sobre coisas obrigatórias, insistir para não sair a correr e aproveitar o sol. sábado de planeamento, sábado de casa, sábado de copos em casa, sábado de festa na mansão, sábado de deitar domingo quando já era dia. sábado trinta. sabadão em BsAs.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

os golos do Cristiano Ronaldo | o melhor do meu dia

Há sensação melhor do que ter altas expectativas que depois se confirmam? O melhor do meu dia foram os golos do Ronaldo. E a garantia de que há muito futebol para jogar - muitos jogos bons para ver - na Copa. Nossa! Nos aguardji, Brasiú. Muito português se vai falar! [acrescente-se isto: de sonho]

sábado, 16 de novembro de 2013

buenos sábados #29


acordar. tomar banho. vestir. meter-me no metro. petiscar antes do atelier. escrever durante três horas sobre o que me vem à cabeça, sem olhar a caneta, a papel, a pensamentos. voltar com mais calma, sem grande coisa fazer. chegar a casa. sair. passear com a Catarina em Palermo, experimentar roupa de tecidos frescos e leves, porque finalmente é Primavera. comprar uma coroa de flores. voltar para casa. receber. conversar, jantar, jogar ao jogo da mímica. conversar muito de uma conversa mesmo boa de sábado à noite, com céu estrelado, música portuguesa e vinho tinto com lasanha. ir para a cama.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

entrevistar | o melhor do meu dia

Há mais de dois anos que entrevisto fazedores. Os meus fazedores. Há muitos que suspiram por estarem tão apaixonados e encantados pelo que fazem. E isso, a mim, é o que mais me inspira. Se há negócios que entretanto correm mal? Claro que sim. Mas invejo-lhes a paixão de uma vontade que parece não acabar. O melhor do meu dia foi uma entrevista a um fazedor. Perguntar mas, sobretudo, ouvir as respostas. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

morangos | o melhor do meu dia

Como é Primavera aqui em Buenos Aires - e porque há muitas frutarias e gente a vender frutas e legumes na rua - há muitos morangos à venda. Adoro morangos e quase nunca resisto a comprar. Normalmente lavo-os todos e congelo alguns. O melhor do meu dia foi comer uma taça de morangos congelados - tipo gelado - e lembrar-me da avó Ester. Ela tinha sempre morangos congelados para os batidos que me fazia nas semanas das férias de Verão que eu passava em Cascais. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

o melhor do meu dia.


Já não me lembro quando foi, mas houve uma altura da minha adolescência em que eu, entre os momentos em que me deitava e em que adormecia, fazia o esforço de recuperar o maior número de momentos do dia. Fazia uma espécie de recuperação e balanço mental do que tinha feito: as boas e as más acções, as alegrias, os bons momentos e até aqueles que eu queria esquecer. Na adolescência, já se sabe, as coisas são vividas de maneira louca: tudo parece um exagero emocional. Por isso, a sensação de que eu conseguia olhar para as minhas acções com um olhar mais crítico era boa e fazia parte daqueles minutos de reflexão.
Este exercício ajudava-me, pensava eu, a corrigir os erros.

Agora que a Ana e a Catarina desafiaram todos os blogs do universo para participarem neste projecto, eu vou recuperar um hábito antigo. 

Cá vai o primeiro. O #omelhordomeudia foi uma pergunta feita por Skype: "Queres uma castanhinha assada?" A pergunta-desafio foi do meu pai que, em Rio Maior, falava directamente para Buenos Aires. O mimo sabe bem às saudades. E recomenda-se.  

sábado, 9 de novembro de 2013

buenos sábados #28

é sábado outra vez. sábado de regresso ao normal. sábado que já não tem visitas (as últimas visitas foram embora ontem) e, por isso, sábado de regresso ao atelier de escrita, sábado de voltar a acordar sem despertador porque não há passeios por fazer, sábado de voltar à rotina. sair de casa, entrar no metro. sábado de cadeiras vazias. meter a mochila às costas, subir as escadas do metro. parar a meio do caminho e dar-me conta de que, afinal, a mochila tinha o bolso de fora aberto. o bolso onde estava o meu iPhone. conjugar o verbo no passado. estava. mais um assalto em BsAs. telefonar, ouvir a chamada a ser rejeitada. passar-me, gritar, não acreditar, acreditar, não pensar. não pensar nas fotografias e nos vídeos gravados e não passados para o computador, não pensar nas entrevistas para a tese que vou ter que repetir, não pensar no meu quase braço direito, companheiro fiel de reportagens, de observações, de constatações, minha ponte de aproximação ao outro lado do oceano. é isto. sábado não-tão-bom em BsAs. vinte e oito, and counting. [e este sábado não há fotografia. regresso na próxima semana com outro formato que, para já, o instagram foi suspenso].

sábado, 2 de novembro de 2013

buenos sábados #27

ter cuidado ao acordar: há colchões no sítio onde antes punha os pés, há cabeças apoiadas na almofada partilhada, há mochilas a impedir a passagem para o corredor, o abrir da porta do armário. há cá em casa um microclima de matar saudades: primeiro a minha madrinha e o Miguel, depois a Marta, a Patrícia e a Pink, depois a Andreia, a Dina e a Sofia. há bagagem com prendas de outras pessoas, envelopes com euros para trocar no mercado negro e a casa cheira mais a Portugal por estes dias porque, na verdade, fala-se mais português e come-se bacalhau. as malas de quem vem trazem alheiras e queijo, postas de bacalhau salgado e bacalhau desfiado. trazem prendas e postais escritos com private jokes. trazem o dia a dia de Lisboa à rotina portenha. que bom que é o caos que mata as saudades de casa. [recuperar fins-de-semana que só vivemos e não escrevemos é um exercício complicado para quem está, já, em contagem decrescente para o Natal. desculpem-me as generalizações]

sábado, 26 de outubro de 2013

buenos sábados #26

a casa está em silêncio. elas passaram para o meu quarto porque as janelas da sala estão mal vedadas e deixam passar o frio. ficamos todas juntas no meu quarto, quatro miúdas, três amigas de visita. elas chegaram mas parece que vivem cá. as malas acumulam-se pelo chão, há toalhas de banho penduradas em tudo o que é puxador de portas e, além disso, há "alegria no ar", como diz a música do palhaço Batatinha. há malas que trouxeram bacalhau desfiado, alheira e queijo de Seia para matar saudades. sentar-me à mesa e pensar que o que aquece o coração são mesmo as pessoas que nos rodeiam. comer mediaslunas, mostrar-lhes a Catedral, dançar com elas um tango, passear por San Telmo. sair e dar a conhecer a minha Buenos Aires às minhas miúdas que se entusiasmaram comigo e vieram visitar-me. a casa está cheia de visitas - há mais duas para além das minhas. e essa é uma das melhores sensações dos últimos tempos. além disso, o gás voltou, já podemos tomar banho normalmente e cozinhar. e, ainda por cima, as ruas de Palermo têm sol.



sábado, 19 de outubro de 2013

buenos sábados #25

acabar de voltar. Lavar roupa, arrumar botas, calçar sandálias. BsAs soalheiro, BsAs de primavera. os dias mais compridos, tão bons, tão compridos. o dia claro até tarde, mais horas de sol, mais horas de rua, de conversa, de coisas boas. voltar e preparar as boas-vindas das primeiras visitas. preparar o coração que se vai encher de surpresas boas, de prendas e de mimos, de abraços e de bifes de chorizo noites de jantares, medleys de cidade para os visitantes com sorte de poderem viver BsAs como os locals. mas isso fica para depois, que este sábado foi de expectativa. agora sim, primavera. sábado vinte e cinco, de volta a casa.

sábado, 12 de outubro de 2013

buenos sábados #24

antes, houve um avião para a cidade maravilhosa, antes uma correria entre autocarros e aeroportos, antes uma mala feita à pressa a partir de outra. sol em BsAs, primavera em BsAs, roupa mais fresca que me faz ter a sensação de que há um guarda-roupa inteiro para descobrir. pôr o despertador para cedo, sol na rua, que há que pegar o ónibus e ir à descoberta da Gávea. sentir o vento na cara, o sol na cara, a pele quente na humidade da rua, sandálias nos pés. finalmente sandálias nos pés. e depois é deixar entrar a inspiração, correr entre salas cheia de gente entusiasmada, inspirada, com vontade de aprender. gente jornalista, gente que gosta de saber de gente, que sente que o jornalismo é profissão no momento em que a paixão e a missão se contraem. e depois, pensar nisso tudo, digerir as ideias e as vontades - e pedir desejos - num segredo de fim de tarde, na orelha-esquerda-do-lado-do-coração do Arpoador.

sábado, 5 de outubro de 2013

buenos sábados #23

acordar numa cama diferente, num sítio diferente. viajar como co-pilota, três horas e meia, para Gualeguaychú, na fronteira entre a Argentina e o Uruguai, para fazer uma reportagem com um amigo do master. ir de mate ao colo, a sebar, tipo profissional. organizar os jornais, organizar as ideias, planificar um trabalho que não conhecíamos bem. combinar como fazemos, quem procuramos. seguir pistas, como o sherlock e o watson. comprar os jornais, ler com calma num pátio de um hostel fofinho e vazio, só para nós. pequeno-almoçar medias-lunas, falar sobre os jornais, tão bom. conversar com pessoas, chegar a umas através de outras, seguir conselhos, cheirar indícios, procurar histórias. ir ao ponto de discórdia, fazer perguntas sem fim, tirar apontamentos, ir a um assado que não existiu, ver que as pessoas de Gualeguaychú gostam de apitar e ouvir música na rua como se a rua fosse a casa delas. preparar o trabalho do dia seguinte, dia da manifestação contra a fábrica que polui o rio partilhado. buenos sábados, fora de buenos aires.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Silêncio que se vai aprender o tango.



O barracão está a média luz. Há lâmpadas de cores penduradas no tecto, em forma de círculo - vermelhas, amarelas, azuis, verdes, brancas -, cadeiras todas diferentes em cores e feitios, pernas meias bambas, como as das mesas. E uma espécie de instalação, forrada com plástico vermelho, pendurada na parede, que os olhos - e as cabeças - mais inspirados conseguem fazer ver uma espécie de coração (ainda que um tanto ou quanto disforme).





Às primeiras notas de acordeão, explica: em grupos de dois, um dos elementos fecha os olhos e pousa um braço no ombro do outro elemento. Meio abraço, explica, intercalando o castelhano e o inglês. 
A primeira sensação é de desgoverno. "Normal que queden medio mareados". Aos primeiros passos, a sensação de ficar sem chão. Falta-nos um sentido. Os outros apuram-se para o equilíbrio falha. A cabeça anda à roda como se os pés não respondessem ao ambiente: afinal, não vemos. Por isso temos que confiar no nosso par.

Para dançar é preciso confiar porque é preciso ceder. O par do tango guia-nos os passos como se fôssemos nós mesmos. Os passos são complementares, como se o par fosse só um. O espaço deixado por uma perna inclinada é preenchido pela perna do outro; o espaço que a perna veda obriga a um jogo de gato e rato que não permite deslizes. 


Pouso a mão esquerda no ombro dele, a mão direita na mão esquerda dele. O abraço, como eles lhe chamam. A proximidade do par - com a pressão de ter que sentir aquilo que o peito do par nos diz em matéria de passos - deixa-me envergonhada. Desvio o olhar, coro. "Para que o teu par confie em ti e para que os dois dancem melhor tens que olhar para ele. Não podes deixar que os vossos olhares deixem de cruzar-se. Senão, ele fica inseguro, começa a pensar que estás distraída, que olhas para outras pessoas. Distrai-se e isso é má dança na certa."




Todas as fotografias foram tiradas na Catedral do Tango, em Buenos Aires.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

buenos sábados #22

aviso: há um dia que não tenho gás. sim, outra vez. cortaram-nos o gás - é a segunda vez em cinco meses que fico sem gás em casa. a logística obriga a banhos de garrafão e panela, com água aquecida na chaleira eléctrica. repetem-se os fins-de-semana, criam-se rotinas. primeiro as manhãs preguiçosas na cama. depois a escrita criativa a digerir o almoço, um exercício que já me valeu os mais rasgados elogios às visíveis melhorias no meu discurso-castellano-escrito. [ver-da-de] vem depois um regresso vagaroso, a ouvir os barulhos da praça, a dar uma espreitadela no folclore do palco montado no centro. andar sem tempo reconforta a cabeça porque dá espaço ao pensamento. depois, há trabalhos inacabados que enchem o resto da tarde. e um jantar de empanadas para aquecer um estômago que neste sábado, ainda não tinha visto quentinho senão um café em casa alheia. buenos buenos buenoooosssss sábados. vinte e dois. and counting. 





quarta-feira, 25 de setembro de 2013

ajamigas


Quando eu acordo, é raro o dia em que não tenho sempre dezenas de notificações pendentes no telemóvel. O fuso-horário de quatro horas de diferença não ajuda a manter as conversas em dia. Só que eu corro para as apanhar, leio-as em silêncio e comento-as depois (estratégia boa que deixa o telemóvel no sítio onde queremos e impede que estejamos sempre a tentar domar as notificações.) Faz este Setembro dez anos que elas são minhas amigas e que eu sou amiga delas. Já falámos tantas vezes nisto, de as amigas da faculdade serem as que ficam para sempre, que tenho pena de não estar em Lisboa para comemorar à altura do acontecimento. Quando nós nos conhecemos eu tinha um Nokia clássico, ainda a duas cores. Tínhamos todas, acho. Tínhamos isso e muitas dúvidas do que queríamos ser. A Catarina já devorava apontamentos em vésperas de frequências, os sublinhados a cores - primeiro uma, depois outra, depois uma terceira - geravam em mim a sensação de que tinha sempre o estudo atrasado. A Raquel viajava para a Golegã muitos fins-de-semana por semestre porque era chefe (e, na verdade, continua a ser) e sempre foi óptima a organizar horários e calendários porque sempre trabalhou. A Mimi já dava gargalhadas alto e bom som, como se essa fosse a maior força dela. A Débora já sofria por antecipação, já não tinha vergonha de cuspir tremoços e invejava - que eu sei - as nossas viagens à terrinha porque ela era a única que já vivia no sítio onde estudava. A Sara já era aquela ternura em pessoa que toda a gente conhece. A Açoriana já era magra e alta e gira e com força e sempre a falar e a cantar e a dançar e até já tocava com a ponta da língua no nariz. A Su já escrevia poesia e nós já víamos nela a tragédia-lírico-poética do grupo, em todos os sentidos e com as melhores histórias que se podem viver e ouvir.
Acho que fomos estreitando relações, diminuindo as distâncias. Hoje já sei que há assuntos que, falados com a Catarina, dão discussão certa. E sei que, em dias mais sensíveis, a Raquel - que raramente derrama uma lágrima - é capaz de estar a beber vinho enquanto fala comigo no skype e quase a soluçar de saudades. E sei que a Débora, por mais que tente, nunca vai deixar de se surpreender com as notificações nem deixar de usar o verbo composto "cagar a rir" mesmo que eu lhe diga mil vezes que não é verbo de menina.
E sei que tal como vocês me enchem o telemóvel de notificações e as chamadas conjuntas de skype de frases ditas ao mesmo tempo, também enchem a minha vida todos os dias. Se os estudos estão certos, esta amizade é para a vida.

domingo, 22 de setembro de 2013

buenos sábados #21

há sábados em que o tempo estica muito mais do que noutro dia qualquer. e, nesses sábados, parece que as vinte e quatro horas dão para fazer muito mais coisas. sábados preguiçosos que passam ligeiros. sábados que nos deixam acordar antes de tocar o despertador mesmo que insistamos em ligá-lo em dias em que não precisamos dele. sábados tardios, sábados bons, com tempo, que nos deixam tomar banho com tempo e passar creme pelo corpo como nunca fazemos durante a semana. sábados que permitem mastigar o almoço devagar, lavar os dentes com tempo, sair de casa antecipados e ainda parar num café e dar uma vista de olhos no jornal do dia que, por acaso, não encontramos, sem medo de chegar tarde ao curso de escrita. que nos dão tempo para parar na plaza de mayo e fotografar os pintores que nunca lá estão mas que no dia em que começa a primavera por lá andam a pintar, mesmo virados de costas para o objecto pintado. sábados saborosos de fazer tempo, que nos deixam entrar vagarosamente no metro, que nos permitem descer as escadas rolantes parados, à espera de chegar, sem pressa de não perder o metro porque a seguir vem outro e temos tempo. sábados demorados, sábados de primavera ainda com chuva que dão a liberdade de duvidar se saímos ou nos deixamos ficar, se vamos ou nos deixamos dormir a sesta. sábados em que nunca sentimos que andamos a correr, sábados tranquilos que não nos deixam mentir. sábados de caminhadas e de táxis, sábados de jantares bizarros entre uma rock-star transexual rodeada de miúdos e de graúdos com mais de sessenta anos num restaurante tradicional porteño com direito a quadros de pólo e cartazes que apelam à crença na igreja evangélica. sábados que nos levam depois a um bar onde só há gente de cá, com sotaque, com aniversários e com um não redondo quando, numa tentativa inglória, alguém pergunta se há martini. não, cá não há martini, boludos. e depois, estes sábados que nos deixam, mesmo fazendo isto tudo e outras coisas que não vale a pena detalhar, chegar cedo a casa para acordar a horas decentes no dia seguinte. e demorar no despertar, como se fosse sábado bom outra vez. este foi o número 21, aqui.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

nós

Quando um português se mete num avião para ir viver para qualquer parte do mundo, há aquela sensação de estar a deixar a casa que não vejo em nenhuma outra pessoa. Chorar é normal na despedida ao Tejo e à ponte. O Chiado claro e luminoso nunca sai da memória, nem os cafés nem os passeios pela Avenida da Liberdade. Quando um português chega ao destino, esse destino é sempre uma passagem. Mais do que o entusiasmo do ir, há sempre o desejo de voltar. Marcam-se viagens para as datas importantes e os olhos, por mais que brilhem onde quer que seja, nunca brilham tanto como quando o Skype chama e diz casa. Um português emociona-se quando ouve fado noutro país e, na humildade óbvia - que de tanta faz corar - canta mesmo rouco os loucos de Lisboa e repete, nem que seja na cabeça, que o português é a língua mais bonita do mundo. E que seria sempre, mesmo que só tivesse a palavra saudade. 
Quando está triste, o português pega no lenço de Viana cheio de flores e enrola-o ao pescoço: agradece quando lhe elogiam as cores e diz, com todo o orgulho do mundo, "é um lenço de Portugal". Porque não há ninguém mais vaidoso do que um português além-fronteiras; não há mais familiar do que ouvir o sotaque fechado de quem, mesmo que tenha acabado de chegar, sente que está longe há meses. Porque em cada português fora há um embaixador: que vibra com um bacalhau à braz servido numa mesa qualquer, que anseia uma Sagres mini mesmo que não goste de cerveja, que deixa um café Delta arrefecer só para lhe sentir bem o cheiro, e que chora - repito - chora, pela alegria de ouvir os poemas cantados como se se lembrasse de uma canção de embalar cantada à beira-mar, por uma voz familiar, daquelas que nunca se esquecem. 

domingo, 15 de setembro de 2013

buenos sábados #20

forcei a barra. sexta-feira de aulas, de jantar, de festa de aniversário. o Fran argentino fez anos, juntámo-nos na catedral do tango, um barracão gigante onde há aulas, comida vegetariana e malbec sem fim. o sotaque já engana em frases mais curtas e eu também, que até já levo amigos para jantar com outros amigos. pesseguinho na cara para esconder a pele branquela, vestido sem costas tapado com blazer - que o tempo voltou a não estar famoso, e tango no pé. tango e salsa com rock intercalado, numa mescla de estilos musicais que nem sequer se percebe bem mas que também nem cai mal. a conversa curiosa de quem ainda não se conhecia - não nos conhecia - passos de dança, vinho e conversa boa como se fôssemos amigos há anos até às tantas da madrugada. sem chuva, o sábado começa bem cedo, com boleia até casa e a sensação boa de já pertencer a alguma coisa. depois houve o habitual curso de escrita criativa, um esforço suplementar para concretizar o objectivo maior de escrever bem, quase perfeito, noutra língua que não é a minha (mas que às vezes me aparece na cabeça e me confunde as frases). passeio por San Telmo, sapatos bonitos, chá, mercado, fotografias antigas. limpezas ao fim da tarde, e uma noite para esquecer, com carteira - e cartões e chaves e documentos e telemóvel - roubados. e uma vontade de gritar asneiras em espanhol para toda a gente ouvir. nervos. e batota. era bom voltar atrás no tempo e não largar a carteira das palmeiras. caraças.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

buenos sábados #19


dores de cabeça ao acordar. pequeno-almoço na cama, iogurte-cereais-e-mirtilos, febre, dores de garganta e voz de doente. mais duas horas na cama, banho tardio, cabeça meia trémula, meia confusa. e chuva torrencial. buenos aires e chuva torrencial. comprimidos, pastilhas, chá de limão, gengibre e mel. mais chuva que entretanto acalma, bom cachecol ao pescoço e camisola de lã a aquecer as costas e a proteger o pescoço. autocarro e, de repente, fado cantado por argentinos. sim, isso mesmo. amália, carminho e mariza cantadas com um sotaque quase perfeito de porteña apaixonada pelos poemas portugueses que cantam os fadistas. e arrepios de cada vez que alguém diz saudade.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

o mundo é uma ervilha.

Conheci a Catarina por email. Respondi a um anúncio de um quarto num apartamento partilhado, perto do sítio onde eu queria viver. Apresentei-me como portuguesa e ela respondeu em português. A Catarina conhece a Débora, minha amiga da faculdade, porque andou com ela no liceu. O mesmo liceu onde os meus primos estudaram em Lisboa. A mesma cidade onde vivia a Rita que eu conheci em Buenos Aires por saber que ela conhecia a Sónia e que a Sónia falou nisso à Marta. A Marta que me apresentou a Bárbara e a Ana Paula, amigas que chegaram esta semana a Buenos Aires e que vão deixar que a nossa casa - a casa portuga - seja um dos pontos de paragem da volta ao mundo que andam a fazer há quase um ano. A Sara, conhecia-a mandada pela Raquel recém-chegada a Buenos Aires. A Sara conhece o Zé, companheiro de tantos trabalhos em Lisboa. E podia continuar com a cadeia, que isto talvez nem acabasse.
Reflexo dos tempos, no meu Facebook tenho amigos e conhecidos nos quatro cantos do mundo. A Débora em Londres (antes na Alemanha), a Rita, a Giu e o Nuno no Brasil, a Maria nunca se sabe bem onde, o Alexandre nos States, o Quirino na China (por agora), o Eduardo também não sei sabe bem onde e muitos outros espalhados por todos os continentes, quase sempre em trânsito, sempre a caminho de casa. A Bárbara, amiga da Marta, diz que quer voltar a Portugal. O mundo é uma ervilha cada vez mais pequena, sempre que conhecemos mais um bocadinho.

domingo, 1 de setembro de 2013

buenos sábados #18

fazer malas de véspera e deixar tudo pronto para a mudança. que a mudança, há que prepará-la para não doer. arrumar o que falta de manhã, aproveitar o último banho na terceira casa desde há quatro meses, sonhar com o primeiro da quarta. ir escrever à desgarrada, a novidade que já se tornou hábito de sábado, mesmo que o sábado inclua arrastar malas pela tarde fora entre quarto quarteirões. uma mala, duas malas, esvaziar uma, enchê-la outra vez. fazer contas ao peso e apanhar um táxi. desculpar-me ao Maurício que me convida para um café mais tarde. obrigada, sim, claro. obrigada pela ajuda. malas acima, malas abaixo, gavetas e cabides, fotografias guardadas e finalmente penduradas na parede, mesa de cabeceira em ordem, frésias frescas na jarra. sábado dezoito em bsas.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

o ano da primeira vez.

Tango de rua num domingo de Agosto, em San Telmo.

Agosto não foi mês de praia, de sol, de esplanadas e de bronze. Pela primeira vez na vida, em 28 anos, Agosto não teve aquele sabor de sal no cabelo, de ossos a gelar no mar da Costa Nova, de fins de tarde a sacudir os pés no passeio de cimento da praia do Visual. Agosto teve graça no hemisfério sul - onde Agosto é inverno. E, por isso, Agosto também foi estranho porque às vezes parecia Janeiro - ainda que sem os aniversários de Janeiro (o mês-caos-de-aniversários-e-finanças). Teve o sabor de primeiro Agosto com sol de inverno, cachecóis, luvas e gorros. Agosto de matar saudades, de entregar trabalhos, de trabalhar muito à distância e de repensar outras tantas coisas. Agosto não teve areia espalhada no chão da casa de banho depois de acumulada nos bolsos dos calções, nem biquinis passados por água e pendurados na corda de secar atrás da nossa casa. Não teve a Rita Lee num fim-de-semana de costa Alentejana nem uns caracóis e um panaché ao pôr-do-sol, nem sequer um amanhecer na praia vindos directos da Estação da Luz. Nunca Agosto me tinha parecido tão estranho, tão diferente. Eu não o conhecia com casacos de fazenda, com saudades de peixe grelhado e de Feast nem com falta de caminhadas matinais à Barra, em passo acelerado. Agosto sem farol e sem paredão, sem Fórum e sem feira dos 28, sem o chegar e sentir que tudo é tão nosso, sem ir ao mercado do peixe comprar sapateira para o jantar, sem a tripa com chocolate da praxe, vai ficar-me para sempre na memória: o meu primeiro Agosto de inverno. O meu primeiro Agosto longe de casa.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

quatro meses de BsAs, meu amor.


E uma sensação dividida em dois: tanto que já foi; e ainda tanto por vir. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

buenos sábados #17

dormir sem culpas graças aos trabalhos já feitos, aos trabalhos entregues. dormir sem culpas mas com despertador para evitar outras culpas de faltar ao atelier de escrita. os sábados agora são sempre em san telmo, o bairro do tango na rua e do mercado de domingo que transforma as ruas e transforma o bairro numa outra coisa. sair de casa com tempo e encontrar o colombiano no metro. depois, andar com calma, gozar o sol e queixar do frio, do vento, do inverno. escrever sem vedar, sem parar, sem me preocupar se se percebe, quem percebe ou o que vai perceber. escrever sem sequer quase pensar. e sem pensar em português. voltar a casa, combinar jantar de portugueses com empanadas argentinas na minha futura casa nova. e depois ir a casa de argentinos, conversar em espanhol com vinho de mendoza. e ir a uma festa de anos argentina onde, onde não podia deixar de ser, danço reggeaton. sábado 17, já foste.

domingo, 18 de agosto de 2013

a morte é longa de mais.

Ela sorri quando ouve falar dele, como se o orgulho se baralhasse com as saudades e tudo fosse como se nada fosse. Leve, sem sentir a falta. Leve, sem pontuação. A verdade é que ela, Pilar, anda a falar dele, Saramago, pelo mundo. Anda a falar dele, escritor. Não dele, homem. Seu homem. Porque quando ela fala do homem, José, já não sorri como antes, nem os seus olhos se iluminam, como há pouco. Quando ela fala do homem, José, baixa a cabeça, os olhos tristes das saudades, um lenço tirado às escondidas da carteira, preta, como o saia casaco, preto, como os sapatos, pretos. Ali, só as pérolas ao pescoço sobressaem no luto de há três anos - que a nós nos parece que foram menos -, e ela não nega. As pérolas e a pergunta que lhe fazem, do fundo da sala. "Quando percebeu que se apaixonou por José?". Ela sorri e responde: "E vou dizer-te a ti?". Porque ela veio falar do Saramago - não do José - apesar de para nós o Saramago ser o José e de o José ser o Saramago. Só que quando ela fala de José há por ali a sensação do irremediável, do que não tem solução. "Depois da morte não há diálogo, não. Depois da morte não há nada. A morte é longa de mais.", disse na conferência de homenagem ao escritor - e ao homem - em Buenos Aires.

Para ela - por ela - o homem confundiu-se com o escritor e são os dois o mesmo. Quem nos fez crer isso foi Miguel Gonçalves, o contador da história. Quatro anos e 240 horas filmadas depois - com uma promessa de que ficaria uma semana naquela casa deles de Lanzarote, naquela rotina dele das torradas e da água fervida ao pequeno-almoço, naquele olhar dela desconfiado (entre queixas de cabos espalhados pela sala, entre refilanços de curiosidade a mais pelo homem e a menos pelo escritor). Miguel Gonçalves meteu-se na rotina deles, assistiu ao segundo casamento deles, fez parte da rotina deles. Fez um trabalho exemplar de recolha de material [que agora faz parte do espólio da Fundação José Saramago] e, sobretudo - me parece - um trabalho exemplar no processo de tornar-se parte de uma rotina. Parece-me também que só o conseguiu porque sabia exactamente o que queria, como queria, e de que maneira queria.
No fim, José Saramago - o homem e o escritor - elogiou-lhe o trabalho. Disse Miguel, em Buenos Aires [onde esteve na semana passada a propósito da homenagem da cidade ao escritor português], que José, o homem, e Saramago, o escritor - o retratado - lhe disse que José e Pilar - o documentário - era, mais do que um retrato, uma declaração de amor do homem, José, à mulher, Pilar.

Imagem do livro "Talvez o mundo não seja pequeno", de Virgilio Neto.

[O realizador português Miguel Gonçalves vive em S. Paulo. Está neste momento a gravar o documentário "O sentido da vida" que conta com a participação de Julian Assange, entre outros. Até 2015 deverá gravar "Evangelho segundo Jesus Cristo", obra adaptada do livro de José Saramago com o mesmo nome e cujos direitos pertencem ao realizador.]

buenos sábados #16

sábado dezasseis carregado de planos. contrariar o despertador até não poder mais. banho, secador de cabelo, spray para desembaraçar e para contrariar o vento frio de véspera de dia da criança. sábado agora é também dia de atelier de escrita criativa. há que puxar pela cabeça para não parar a evolução. há que andar mais a pé para sentir os barulhos da cidade. há que não parar de pensar para nunca parar de crescer. duas horas e meia quase sem parar de escrever. escrever à mão, esforçar para perceber a letra, pensar que se é para isto, mais vale abrandar o ritmo, escrever mais devagar mas mais perceptível. surpreender-me com o que escrevo - e bem - em espanhol. puxar pela imaginação sem quase parar para pensar se está bem ou mais escrito, que o bem vem por acréscimo, mais tarde ou mais cedo, não me canse eu de praticar. entrar no metro no sentido errado, andar duas estações, abrir o livro e sorrir para dentro sem ler, de ainda tão verde que parece o conhecimento desta cidade. e ver que o metro enche tanto ao sábado, ver que se enche de miúdos, que se enche de balões e do barulho dos balões que parecem não aguentar a pressão dos miúdos. e depois ir a uma exposição catita de livros únicos, artistas que fazem exposições em livro, ideia catita de cá que já foi exportada para uns tantos países do mundo. sorrir com o convite da Juli, que faz o esforço de se lembrar de me convidar para ir às coisas que ela gosta mesmo com medo que eu não goste. depois, pegar em mim e meter-me no metro. andar a pé e chegar ao centro cultural para ver Saramago grátis. para rever José e Pilar. e pegar em mim outra vez e voltar para casa porque já não há bilhetes. fazer jantar, rever filme. buenos sábados.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

buenos sábados #15

despertador entre dedos, adiar, adiar adiar. e um dois trabalhos em atraso para fazer, uma mão cheia de textos para ler, dois livros para passar a pente fino, a semana inteira de saudades mortas a acumularem-se, outra vez, de um dia para o outro. e o frio que não passa - ai segundo inverno, porquê? - e a água quente que falha de manhã, e a pilha de loiça que fica por lavar para mais tarde. e saber que o tempo não estica e perceber que a concentração é coisa que não abunda cá por casa. e depois, há a necessidade de apanhar ar, um iPod com músicas gravadas pelo Peter, muitas que me lembram os dias em que corríamos o mundo numa noite. e depois as saudades, e as pernas a acelerar, e o frio que se faz calor. e depois, um convite para uma festa. um jantar improvisado em casa. e, de repente, uma rotina que se começa a desenhar, tão por insistência como por vontade minha. e deitar, quase de manhã. e dormir pouco. e começar tudo outra vez.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

buenos sábados #14

mesmo que haja corrente de ar na entrada no hall do hotel de Montevideo; mesmo que o vento esteja frio e nos exija um casaco aconchegado ao pescoço durante a viagem de autocarro; mesmo que o peixe do almoço não seja grande coisa e que se passe o dia a revisitar uma terra que já se conhece - reconhecendo todos os cantos e recantos; mesmo que o vento esteja forte entre a manga de corredor e a entrada do barco de regresso a Buenos Aires; mesmo que seja difícil apanhar um táxi que nos leve a casa, com poucas malas e a pouca distância; mesmo que se compre fruta para jantar tangerinas descascadas com mimo e maçãs saborosas; mesmo que o sábado nem seja - a maior parte do tempo - em Buenos Aires; mesmo que tudo falhe, que tudo pareça que não nos pertence, que o dia seja igual a outro qualquer, e que as pessoas não sejam de uma simpatia que nos faça apetecer voltar; mesmo que nos cobrem de mais por um almoço mediano e que esteja vento e seja o segundo inverno do ano; mesmo que a internet não funcione; mesmo que fiquemos sem bateria no telemóvel que nos impeça de estar ligados ao mundo; mesmo que estejamos de mau humor, que as fotografias saiam desfocadas; mesmo que isto tudo e outras coisas que não me lembro; vocês estiveram aqui comigo. e, por isso, mesmo que esteja frio, o meu coração está quente.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

36 horas em Mar del Plata


A conclusão mais brilhante da viagem foi tirada pouco depois de chegarmos a Mar del Plata, a quatro horas de BsAs de carro: escolhemos o dia mais frio do ano para viajar; e isso deixa de ser boa ideia quando saímos da capital para passar um dia e meio na estância balnear que mais gente tem no Verão argentino. Mas que, em pleno Inverno, é só desagradável andar ao frio e à chuva.


Decidido ir de boleia e dividir custos de gasolina e portagens, e voltar na noite do dia seguinte, aproveitando os autocarros confortáveis para não pagar a segunda noite de hostel e dormir a caminho de casa. No carro, ainda se cantarolaram letras de músicas de Xutos&Pontapés com sotaque russo e porteño enquanto se discutia política argentina, campanhas eleitorais e os mais recentes acidentes de comboio deste mundo. 

Chegando lá, agasalhou-se o pescoço à altura do dia mais frio do ano com pico de vento + frio + humidade até aos ossos: comeu-se um bom assado no único restaurante não cheio por esses dias. Encontrou-se gente conhecida no hall do hostel, trocaram-se ideias que nunca se tinham trocado entre os cadernos e as leituras de jornais do mestrado e ainda se conversou entre mojitos na La Bodeguita, uma réplica da de Cuba.   


Andou-se muito a pé, viu-se - e cheirou-se - a reserva de leões marinhos e ainda se teve tempo de tirar fotografias entre os barcos e uma peixaria onde nem faltava o polvo português. 



Antes do regresso, jantou-se espetada de salmão e camarão frescos, bem boa, a fazer lembrar Portugal e o peixe dos bons restaurantes e das esplanadas de Verão (isto porque se jantou dentro do restaurante, depois de resolvida a logística de um look ao melhor estilo cebola: topo de alças, t-shirt, camisa, camisola de gola alta, cachecol, luvas, casaco.) 













Foram horas boas, as de Mar del Plata. Provaram-se churros com dulce de leche no Manolo, anchovas com salsa e alho numa loja de conservas no Porto, espetadas de "carne e pollo" numa parrillada e uns doces russos vindos directamente dos Montes Urais. E melhor do que tudo: houve uma noite em que, à mesa éramos muito mais do que o costume - Argentina, Itália, Suíça, Uruguai, Rússia...e Portugal. Está tudo bem, Mar del Plata.