quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Quatro dias de Floripa

Primeiro, o bafo quente do Verão que aquece à saída do avião. Floripa é quente e dá para ver nos abraços no aeroporto. A tia Sandra espera de cartaz nas mãos da "motorista particular", Edna. As duas transportam-se pela ilha de carro e, a última, muitas vezes de bicicleta eléctrica (sobretudo de uma casa à outra - são vizinhas) "para não cansar, sabe?" Encontrei elas, perdão, encontrei-as, as duas de gargalhadas fáceis, as duas à espera do mesmo que eu. Depois, os abraços da Débora, com quem me encontrei na Ilha da Magia. Floripa, a ilha, é bem mais do que aquilo que eu tinha percebido quando visitei pela primeira vez. O aeroporto - sempre o aeroporto - cheio de gente, de boas energias, de abraços esperados e de gritos histéricos da surpresa de quem há muito não se via. 

A praia, os pés escaldados e a cabeça vazia de tudo. Sem telemóvel, sem internet, quase sem máquina fotográfica. Sem dar notícias, sem ter notícias. E isto é difícil para mim, acreditem. O centro mais estranho do que nunca, com árvores de Natal e duendes e a Mariah Carey a cantar "All I want for Christmas is you" nas colunas penduradas na figueira da praça central ao mesmo tempo que os termómetros medem 34ºC.


A praia Brava tem um mar bom de mergulhar, sem fundões e com vento que até disfarça o sol quente.  Não tem cafés, mas que falta fazem os cafés quando há um mini-mercado onde podemos comprar uma embalagem de queijo creme e passar por ela bolachas de cereais? Tem autocarro mas nós tínhamos boleia, e isso é o melhor do mundo em Floripa: ter uma maneira de chegar de um sítio ao outro. Nem sempre foi assim e aí há que habituar aos horários que não se cumprem, mesmo na central de ónibus. Habituar também às curvas apertadas da ilha e que os motoristas fazem questão de salientar, à falta de assentos e ao calor, mesmo com as janelas escancaradas. Habituem-se ainda os corações e as bocas, que os sorrisos e as gargalhadas são coisa que não falta entre algumas queixas de que a "Copa pulou Floripa", de que "os políticos não fazem isto e aquilo" e a "gente anda fugindo disto e daquilo", e o mau ambiente do "vizinho gringo que vende droga" e os preços que "não param de subir, viu guria?" e tornam Floripa um lugar onde "a gentji não pode mais viver bem".   

A Lagoa da Conceição, aquele barco de madeira com nome de gente, aqueles miúdos metidos no barco para irem para a escola. As conversas sobre as prendas para a troca do amigo secreto, os miúdos entusiasmados a taparem a boca para não lhes escapar o nome do sortudo que tem a prenda que eles queriam para eles. Depois, as casas à beira da lagoa. As canoas, os caiaques, os barcos. As casas de madeira com janelas grandes para deixar entrar a luz e os sons dos pássaros e do barco a passar e da gente na cascata ou no posto médico ou nos caminhos de terra ou até nos restaurantes à beira-lagoa. Um cais em cada casa disfarçada no meio da floresta tropical onde só se vêem meia dúzia de janelas com vista para o azul esverdeado que nunca cansa. O miúdo a mergulhar na lagoa com o sol já a pôr-se e os outros, tipo público, a aplaudirem a coragem e o ritmo do entra da água-corre no pontão-salta para a água- nada-entra na água que parece nunca mais acabar. O cheiro a familiar, a passeio que já se fez e se refaz, uma coisa que parece nossa parecendo estranha. A lagoa que muda de cor conforme a hora do dia, a praia que muda a nossa cor da pele conforme as horas de sol, a gente que muda a nossa cor de espírito conforme a energia das palavras, "eu bem 'tava reconhecendo esse sotáqui", o "oi?" que nos faz sorrir apesar dos nervos de falarmos todos a mesma língua e eles não nos entenderem, viu? As pessoas daquela terra vivem em casas de cores na ilha da magia. E isso, quer queiramos quer não, faz delas diferentes de todas as outras pessoas do mundo. 

A Mole continua a ter os garotos mais gatos da ilha, que carregam as pranchas areia acima, mar abaixo, largando sorrisinhos para as garotas estendidas ao sol ou jogando vólei. O pastel de queijo, o pastel de camarão, a skol gelada, o último mergulho no mar do ano em pleno Dezembro. Era capaz de me habituar, confesso. Pelo menos por mais uns dias.

Ainda assim, o Natal aqui não tem sabor de Natal com frio na cara e cachecol bem chegadinho ao pescoço. Mas a isso já iremos. Nem Buenos Aires nem Floripa obrigam a um cappuccino quentinho e a tirar os casacos quando entramos num café qualquer. Obrigam antes a tecidos finos, a chinelos nos pés, a saias e a calções sem meias, a vestidos esvoaçantes. Mas há nestes sítios a magia de olhar para as árvores iluminadas com luzes de Natal e ver para lá das temperaturas, sabendo que nada se compara a um Natal em casa. Até já.  

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