terça-feira, 1 de setembro de 2015

recomeço.

setembro chegou. e não é por ser setembro mas por "hoje" ser o melhor dia para começar alguma coisa. setembro pode não ter trazido ainda inspiração mas já trouxe força de recomeço. e isso só poder ser coisa boa. vamos lá tentar outra vez.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

voltar a voltar.



Cheguei há um ano. Três quilos de bagagem em excesso mais uma mala a mais com 28 quilos [ai meu Deus, e o dinheiro que foi para a pagar], com vontade de mudar o mundo. Abri as malas, despejei-as o mais que pude mas as costas não podiam carregar os mais de quarenta quilos de tanta coisa que já nem sei. Quando entrei pela última vez para colectivo do Tienda León nem consegui chorar: a esperança de voltar daí a um ano era maior do que a tristeza de partir. Afinal, Buenos Aires não ficou na Argentina: veio comigo.

Cheguei a Lisboa vinda do fim do mundo, um-ano-a-mais-no-pelo, mil e muitos sonhos-nos-cadernos-de-apontamentos e muita vontade de voltar a ir.  Ainda não fui.

Lembro: não foi a coragem que me levou mas a vontade de crescer. E isso, não é coragem mas ausência de noção de risco. Apaixonei-me.

Buenos Aires mede-se em mim com as batidas do coração: mal fecho os olhos consigo sentir outra vez o cheiro de Santa Fé às 8h30 da manhã, lembro-me de virar a esquina e ir à verdureria, dos meus hambúrgueres favoritos recheados com queijo Edam, dos passeios pelos Bosques de Palermo, da feira de domingo na Plaza Serrano, de trautear tango por San Telmo, de chegar a casa e ter a Sur à espera à porta.
Buenos Aires foi e é ainda o conforto de estar comigo. Com saudades de todos... mas comigo.

Buenos Aires: mesmo que estejas aqui, assim, sempre que fecho os olhos e faço-te estar, confesso-te: morro de saudades. 

p.s.: Buenos Aires, ainda bem que apareceste para me lembrar de voltar a escrever aqui.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

dois-mil-e-catorze.

Como é faço para recordar um ano inteiro?
Lembrar que há um ano estava aqui também, no mesmo sofá, a escrever sobre o ano anterior. Com viagem marcada de regresso a Buenos Aires [ai, Buenos Aires meu amor]. Mas que esse era o único plano para o ano novo. Bem, pensando bem não era o único mas era a única coisa certa.
Viagem feita, foi tempo de escrever para o dia em espanhol. Buenos Aires brasa, tanto calor quanta humidade, cabelo a colar na pele, roupa a colar na pele, latina-américa colada na pele para sempre. Dois-mil-e-catorze foi ano de fazer muitas contas e muitas malas: mochila aviada para a Salta que, em dez dias, correu Bolívia e Peru para terminar em Lima e seguir para Miami numa onda de Chicas Poderosas que não pára nunca. Voltar a Buenos Aires a correr só para pegar nas malas e seguir para Lisboa. Lembrar vagamente o ritmo frenético que me tranquilizou a vida daquela a que muitos chamam a Paris da América Latina porque o regresso a Lisboa trouxe o regresso às noites mais pequenas, aos dias que nunca acabam e ao amor que nunca deixou de ser. Medo de perder coisas, tanto que perco-me a mim às vezes entre emails e telefonemas e compromissos e caracteres, tantos tantos caracteres. Agosto com três dias de semi-férias, sempre de computador atrás. Setembro de recomeços sérios, de tentar fazer as pazes com o meu corpo: começar a correr, comer melhor. Novos desafios, Outubro de regresso à redacção, aos meus #fazedores. Novembro louco, Dezembro nem dei por ele.

Ano Novo, dá-me tantas coisas boas como me deu o ano velho. Foi tão bom que, se assim não for, vai deixar saudades.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

segunda-feira, 16 de junho de 2014

a bússola, o norte e a casa.

E agora uma pergunta para os da casa: para onde é que é o Norte?

Interrompi. O António estava lá em casa há dois dias quando escrevi este texto (e já nem eu lá estou). Conhecia o Chico que vivia connosco até ao mês passado - altura em que se mudou para o Rio de Janeiro, onde o António também viveu um ano e meio. Os amigos desencontrados despediram-se no Rio em vésperas da partida do António para se reencontrarem nas conversas sobre o Chico, aqui em casa.

O Chico já não vivia lá mas continuava a estar presente em muitas conversas. E naquele dia, quando o António me mostrou os Tumblrs que tem e alimenta com ilustrações e fotografias, falámos dele. Nenhum de nós conhecia o António mas é como se, através dele, o Chico estivesse cá por momentos, outra vez.

Mas voltemos à pergunta. Apontei com a cabeça para trás de mim. O norte está atrás de mim, nas traseiras do prédio, do lado dos quartos em nossa casa. Nesta altura, ele ainda estava a tentar equilibrar a bússola.

Andas de bússola? - perguntei.
Preciso, para saber onde é o Norte. - respondeu.

Ilustração: Ó Patagónia


O António foi a visita mais recente a chegar lá a casa, recém-saído do Rio (entretanto passou por Iguaçu). Vai andar a viajar durante o tempo que o dinheiro que juntou sobreviver. Antes, chegou o Eduardo, a viajar há nove meses pela América latina. Trouxe histórias de todos os lados, ainda falava com o entusiasmo de quem revive todos os dias a viagem de canoa pela Amazónia, brilhavam-lhe os olhos, só queria que vissem. Andava de mochila às costas de passeio em passeio, já um bocadinho cansado de autocarros e de viagens com duração de mais de um dígito de horas, já com necessidade de comprar um par de ténis novo que o outro, abandonou-o no poiso anterior.

Também eu abandonei um par de ténis algures no hostel em Cuzco, uma das últimas paragens antes de chegarmos a Lima, quase quase no fim da viagem. Também eu andei de mochila às costas, a carregar o peso que me propus meter às costas com a sensação de liberdade que vem agarrada a bilhetes escritos à mão com lugares marcados entre bolivianos sentados no chão e boleias apanhadas no meio da estrada.

Agora, de volta a casa, quero voltar a encher os quartos com fotografias de viagens nas paredes, que farão companhia às frases bonitas escritas com letras modernas mas que nunca se compararão àquilo que é andarmos de mochila às costas pelo mundo, com uma bússola que vive do batimento cardíaco. 

sábado, 10 de maio de 2014

escrever para mim.

Nova pausa no relato da viagem - e mais uma para pensar neste recente regresso a casa - para suspirar. Há um ano descobri este site onde podemos escrever um email ao futuro. Sim, isso mesmo, escrevi-me uma carta datada de cinco de maio e recebi-a um ano depois. O bom disto é que, como foi há um ano e não exige follow, esqueci-me completamente. Ora, andava eu a tentar pôr em ordem as duas malas por desfazer que ainda me desfazem de nervos quando, sem contar, recebi um email meu. Falava-me eu de ter mudado de casa, de vida, de país. E de como isso, apesar de difícil, era tão necessário (para mim). Que bem que me soube. Tanto mas tanto - e a sensação de que era mesmo aquilo e do quanto valeu a pena - que vou agora mesmo escrever outro email para o futuro. O encontro está marcado para o ano que vem. Oh yeah. 


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Atlântico - Pacífico em dez dias #4

Da cidade mais alta do mundo à capital mais atordoante


Chegámos. Descemos da carrinha em plena rotunda latino-americana. Há carros a apitar, autocarros atarefados, o sol quase a pôr-se naquele fim de tarde e nós a descarregar a caixa aberta. Ajudamo-nos umas às outras a descer, as mochilas carregadas, as mantas, os casacos, as mochilas mais leves, o saco de plástico preto com a garrafa de tequilla e ainda outra de vinho tinto. O monte de mochilas no chão, as mãos à cabeça, depois para a frente a tentar mandar parar dois táxis que nós levassem e às tralhas. Sem marcação de dormida mas com o nome de um hostel na cabeça, subimos a cidade em quinze minutos e chegámos a um hostel com pátio ao ar livre. A casa, pintada de amarelo, fica bem ao lado da praça central que nem tivemos tempo de conhecer. Do que vimos nos guias, Potosí merece visita às minas e às dezenas de igrejas que acumula em ruas e vielas inclinadas. O autocarro para La Paz sai duas horas e meia depois horas e somos cinco para tomar banho, vestir e actualizar fotografias e mensagens no facebook, no instagram e no whatsaap. Por isso, à nossa chegada, o taxi ficou marcado para daí a duas horas, sem nunca prevermos a experiência que seria chegar aquele terminal gigante e circular.

Em todos países da América latina onde já fui há uma grande estratégia de vendas cara a cara. Isto é, mal chegamos a um aeroporto, terminal de autocarros ou de comboios, logo vêm entre uma a duas males cheias de taxistas e todo o tipo de comerciais de outros transportes para nos venderem a preços normalmente inflacionados os trajectos que nós precisamos de fazer. Primeiro conselho: negociar. É possível regatear preços, seja na Argentina como na Bolívia ou no Perú. O terminal redondo de Potosí, que fica na parte baixa da cidade, está rodeado de roulotes e povoado de vendedores ambulantes. À chegada do taxi, e ainda sem pagarmos o serviço, somos quase abalroadas por vencedores. De Potosí, segundo eles, há viagens para todas as partes do país (é incrível a variedade de destinos e de serviços que os autocarros sul-americanos são capazes de prometer). 
Entramos de fugida, já as malas pesas mais uns quilos (não que tenhamos comprado coisas mas porque as costas já acusam cansaço). 

Não me lembro bem da cor do terminal porque tenho a sensação que as luzes eram tão brancas que nem dava para ver. Talvez fosse de cimento, com o tecto arredondado topo cúpula. No centro, com passagem por uma ponte, um restaurante com mesas cinzentas e balcão cor de vinho que fazia lembrar os mais recônditos restaurantes chineses de Lisboa. Comi uma canja, para aquecer e aguentar a viagem de uma noite inteirinha (umas dez horas) até La Paz, a capital. No balcão de entrega dos bilhetes, um homem careca pesa as malas vagarosamente, como de tivesse todo o tempo do mundo enquanto um cão branco a mudar de pelo dorme e impede a entrada no espaço que vai da parede ao balcão. Não é o junco a viver no terminal. Antes de entrarmos no autocarro compramos dois pacotes de bolachas e três chocolates numa senhora que montou banca mesmo na plataforma onde os autocarros esperam pelos passageiros (ou o contrário). Sentado-nos mas a confusão do autocarro cheio não nos deixa dormir. Tinham-nos alertado para o frio dos autocarros durante a noite mas disso não temos de que nos queixar. Antes do inverso: passámos muito calor a viajar durante a noite na Bolívia e no Perú. 


Quando chegamos a La Paz ainda é cedo mas já é de manhã. As minhas dores de cabeça por causa da altitude começam a aumentar, sente-se um peso na testa e uma dor fina mas chata ao pé dos olhos. A cena no terminal repete-se: dezenas de taxistas gritam e oferecem serviços até ao centro. À primeira vista La Paz tem o aspecto de uma favela gigante: as casa por pintar ficam todas da cor de tijolo muitas vezes sem reboco e as únicas cores que têm normalmente são bandeirantes de papel brilhante e prateado que os moradores penduram junto ao telhado. Chegadas ao hostel que tínhamos marcado ficamos a saber que afinal não havia lugar e temos que procurar outro. Mais uma vez, os taxistas oferecem-se para procurar ajuda e o nosso tem até um panfleto de hotel já meio amachucado. Encontramos um hostel numa a zona central sem grande dificuldade. Ficamos mesmo na entrada do mercado das bruxas, o melhor sítio para comprar tapeçaria e artesanato boliviano no centro da cidade. Pousamos as malas, actualizamos conversa, avisamos que chegámos e saímos para tomar pequeno almoço reforçado já com a certeza de que a seguir não podemos escapar a um chá de coca e a uma ida à farmácia para comprar os tão úteis comprimidos contra a altitude. A ver vamos. 

terça-feira, 15 de abril de 2014

Atlântico - Pacífico em dez dias #3

Do Salar a Potosí



Ainda o dia não nasceu e nós já fizemos um vidão. A expressão aparece logo nesta terceira manhã de viagem, bem longe das camas confortáveis, dos banhos quentes e demorados e dos bancos de carro tranquilos e sem sobressaltos. Acordamos no deserto com baixas temperaturas e antes do sol nascer. Ajudo o Pedro a carregar as mochilas, a botija de gás, os pratos, os copos e os talheres. Depois, entro no jipe. A música, mais baixa do que no dia anterior, não varia muito no género. São cinco da manhã, é noite escura e nós começamos o caminho sem estrada rumo ao Salar, o deserto do sal na Bolívia. Não há estrada nem sequer placas que indicam o caminho. O Pedro faz o percurso de cor, às vezes orientado pelas marcas de pneus no chão (pensamos nós), outras vezes acreditamos que só mesmo por instinto. As estrelas ajudam. Mas o que ajuda mesmo é a sombra da montanha, do lado direito. Mantendo a cordilheira sempre desse lado do carro, chegaremos, garante. Numa hora, o céu começa a ficar mais claro. Primeiro, azul, depois um tom acima, por fim um lilás clarinho. É com essa cor que paramos a primeira vez, já os favos de mel estão reflectidos no chão de sal, os pneus do carro a fazer crrc de cada vez que andamos um bocadinho mais. Uma paisagem nunca vista, a sensação de eterna novidade do mundo de que falava Caeiro, a vontade de eternizar todos os segundos em fotografias que, no fim, nunca fazem jus àquilo que sentimos quanto mais à paisagem que não dá para explicar, "só vendo". 

Um pouco mais à frente, voltamos a parar com medo de perder o nascer do sol no meio da pressa de chegar. O vulcão, do lado direito, compõe a paisagem perfeita: o branco do chão, o azul do céu, a perfeita conjugação entre os dois. E mais: os jipes que parecem seguir estradas próprias, os turistas a fazerem disparar as máquinas indiscriminadamente em poses parvas, uma música brasileira encontrada ao acaso na playlist boliviana de cumbia e reggaeton que nos faz dançar até ao fim como se fosse a ultima e a mais importante das vezes. 

Ali, no deserto, é fácil os olhos perderem-se sem medo de se fecharem. A paisagem é tão bonita e infinita que nem dá medo perdê-la: depois de lá ter estado sei que é impossível esquecer e tenho a certeza que, se fechar os olhos - mesmo que do outro lado do mundo - vou ser capaz de ver tudo outra vez. 

E quando pensamos que já não podemos ver nada mais bonito, quando o sol faz arder os olhos de tão clara que é a paisagem, metemo-nos no jipe e chegamos à ilha dos pescadores. No meio do sal, no meio do nada, há uma ilha que, além de ser no meio de um deserto só tem... Cactos. Sim, leram bem. E logo, quando nós damos conta disso tudo, pensamos no quando é inusitado, inesperado e até sem sentido que exista um deserto feito do de sal, uma superfície gigante de mais de 12 mil metros quadrados sem vida senão as centenas de jipes que transportam milhares de turistas todos os dias. E que, além desse deserto, há uma ilha no meio dele que só tem cactos. E que é nessa estranheza que se armazena a memória mais forte e mais presente que vai reforçar a sensação de que, mesmo de olhos fechados, eu estou lá outra vez sempre que assim queira. 

Na ilha para-se, contempla-se, fotografa-se e toma-se o pequeno almoço. Depois, sem pressas, abrimos a tequilla comprada de véspera e formamos um semi círculo de mãos e copos. Aproveitamos o sal de Uyuni e pomo-lo na mão, numa espécie de aperitivo só completo com uma rodela de limão. Do brinde, voltamos ao carro, do carro ao Salar sem estrada mas com caminho, do Salar à aldeia, a uma cada feita de sal onde se almoça enquanto se ouve cumbia. 

É só depois do almoço que entramos no jipe a caminho de Uyuni, àquela rua principal do dia anterior, bem em cima da hora para apanhar o autocarro para Potosí, a cidade mais alta do mundo. 
À primeira vista, o autocarro é velho mas normal. Só que é logo na subida dos degraus que as pessoas se começam a empurrar e a tentar passar à nossa frente. E aí percebemos que se calhar a coisa não é bem aquilo que nos parecia. Sentadas, de lugares marcados, temos gente sentada no corredor ao nosso lado. Uma senhora, saia colorida, camisola quente, larga o pano colorido que tinha às costas e senta-se, meio apoiada nos apoios de braços do meu banco, pousa o pano no colo e, uma a uma, vai tirando uvas do regaço, come-as e cospe as pevides para o chão. Descansa e repete sem parar, durante umas duas horas, até sair do autocarro.  

Quando ela finalmente sai, é o rapaz do banco do outro lado do corredor que ganha protagonismo. Os cantos da boca verdes da coca mastigada e cuspida por causa da altitude ou do álcool a mais. Mal pode falar, arrasta a voz sempre interrompido pela filha, uma menina de calças azuis às bolinhas que, um pouco depois, acaba por fazer xixi ao colo da mãe. Inquieto, o pai não descansa enquanto não muda de lugar duas ou três vezes, cansado da mesma posição ou da viagem longa. É que, ao mesmo tempo, há um autocarro velho que pára a cada dez minutos, numa estranheza que rapidamente vira monotonia. Não me lembro quantas foram ao certo mas já eram muitas paragens. Demasiadas. O autocarro pára outra vez e nós saltamos. Saímos. Descemos no meio da subida. Depois de dois ou três berros a um dos condutores do autocarro, lá nós deixaram tirar as mochilas da bagageira. O tempo foi o suficiente para conseguirmos boleia. Num instante estávamos a subir para uma carrinha de caixa aberta. Nós e uma dezena de bolivianos, entre graúdos e bebés, um vê se te avias para ainda chegar de dia a Potosí, a tempo de um banho e do autocarro para La Paz. A conversa de capital virá depois. Por agora, a lembrança da paisagem sem filtros e sem vidros. Chegar a Potosí ao fim da tarde e com a vista desarmada tem o efeito de um pôr do sol de verão, daqueles que se prolongam para lá da claridade do dia. 



segunda-feira, 14 de abril de 2014

Atlântico - Pacífico em dez dias #2

Chegar a Uyuni



O jipe está carregado. No tejadilho, seguras por um enorme plástico cor de laranja e vários cabos, vão as nossas mochilas, uma botija de gás e a bagagem do Pedro e da Susana (o motorista e guia e a cozinheira que o acompanha). Na mala do carro, copos, pratos e talheres e a comida para esse dia e o dia seguinte. Ao nosso lado, três garrafas de vinho e uma de tequilla metidas num saco preto e compradas segundo recomendação do Freddie na loja da mãe do próprio. Sentadas no jipe, perguntam-nos se temos preferência na banda sonora. Dizemos que não. E essa é a primeira má decisão de toda a viagem. 
Depois de partimos ainda passamos por casa do Pedro para ir buscar ovos e alguns legumes frescos. É a mulher do Pedro que constrói e cozinha os menus que depois a Susana termina. O percurso inclui umas seis horas de caminho com paisagem de montanhas coloridas até chegarmos a Uyuni, onde vamos dormir, e depois a visita ao Salar onde almoçamos. O percurso acaba aí mesmo na cidade, para depois seguirmos viagem para norte. No caminho, vamos vendo o dia avançando pela cor do céu mas é o vermelho, o branco, o ocre e até o azul claro das montanhas que mais me fascina em todo o percurso. A paisagem, ora seca e árida colorida com cores de cacto, ora azul do céu e verde na terra, vai arrancando suspiros, intercalados com outros de quem já não vai suportando ouvir mais cumbia e regaeton. Os ouvidos educam-se e buenos aires, neste aspecto, já me deu um avanço catita. Mas para elas, coabitar com a batida caribenha é mais difícil. E, enquanto eu vou cantando um "mentiroso, corazon mentiroso" de mansinho, elas suspiram alto como quem já não aguenta nem mais um acorde. 
E é entre paisagens de lamas e vicuñas de brincos cor-de-rosa, montanhas de cores inesperadas e um sem número de saltos inusitados dentro do jipe que chegamos a Uyuni. À nossa chegada, a visão de uma cidade que parece de filme. Um vento louco que levanta o pó branco do chão e cobre a cidade de areia que, à primeira paragem, nos deixa uma camada meia branca no cabelo e irrita os olhos. De fugida, fotografamos o cemitério dos comboios, a cinco minutos da rua principal da cidade. Há carruagens enferrujadas pelo tempo e pela falta de cuidado, num ferro-velho improvisado que virou atração turística. É fim da tarde mas o movimento continua. Reservados os bilhetes para o dia seguinte, vemos o pôr do sol do vidro do carro e tentamos registá-lo com tanta concentração como a que usamos para equilibrar as garrafas de água e os telemóveis nas mãos, enquanto o Pedro insiste em ser racer na estrada de terra batida. À chegada à casa onde vamos ficar, o antigo museu de sal parece abandonado. Não há água quente e, como essa água nos tinha sido prometida, exigimos mudar. Chapa gasta, chapa ganha. Mudamos. Trocas de botijas de gás, descarregar o tejadilho do jipe, um banho quente e uma corrida da casa de banho à casa onde ficamos. Quarto quente, muitos cobertores de lã de lama em cima da cama de colchão de palha e um cenário que mais parece um abrigo de talibãs, como bem referiu a Isabel. E depois, a mesa posta e uma sopa quente para aquecer as cabeças. No dia seguinte, o despertador toca cedo para corrermos para o deserto do sal a tempo do nascer do sol. 




quarta-feira, 9 de abril de 2014

Atlântico - Pacífico em dez dias #1


De Buenos Aires a Tupiza


"Where are we now?" A pergunta aparece meia disfarçada entre dois olhos remelosos depois de uma noite mal dormida num autocarro de temperaturas tropicais. Chegámos a La Quiaca, fronteira norte da argentina que liga o país à Bolívia, às sete da manhã, vindas de Salta, La Linda. De Buenos Aires a Salta demorámos uma larga noite de 20 horas, entre bebidas e comidas quentes servidas tipo avião. Viríamos a descobrir depois, os autocarros argentinos são os melhores (e também os mais caros) para viajar na América no Sul.  Do terminal de Salta dá para ir a caminhar até ao centro da cidade. Uma muda de roupa na mochila mais pequena e procuramos um hostel barato só para tomar um banho e refrescar o corpo para mais uma viagem de uma noite. 
Chegar a La Quiaca é perceber uma realidade diferente. No edifício do terminal, uma casa improvisada com um corredor comprido onde gente dorme encostada à parede e embrulhada a sacos-cama e cobertores, está um frio de rachar antes de o dia nascer. Chegamos para o nascer do sol: em La Quiaca, termina o serviço do autocarro. Há que sair, pegar nas mochilas e andar uns 15 minutos a pé até à fronteira com Villazon, a cidade equivalente mas do lado da Bolívia. Na fronteira, uma fila que só os bolivianos passam à frente. Mulheres de panos coloridos às costas começam a passar do imaginário que vinha na cabeça à realidade mesmo à nossa frente. 
Do lado de lá, já com os passaportes carimbados por 60 dias, procuramos transporte para Tupiza, cidade intermédia entre a fronteira e Uyuni, o nosso próximo destino. Chegamos a acordo com um taxista de Tarija, Hugo, que se mudou para Villazon por amor ainda que continue a achar Tarija a cidade mais bonita da Bolívia. Uma hora e meia depois (menos três horas do que demoraríamos se tivéssemos optado pelo autocarro) deixa-nos na estação de comboios. Esticado de caneta na mão, um homem olha de lado quando nos vê passar o arco da entrada. Sem que tenhamos feito qualquer pergunta, avisa: hoje não há comboios para onde quer que seja. 
Pegamos nas mochilas e procuramos sítio para comer. Os cafés são raros, ainda mais se essa for a bebida que queremos tomar. Depois de voltas pelo centro da cidade, entramos no mercado. E é entre as mulheres de saias coloridas que vendem comida e nunca param de comer que decidimos o próximo trajecto, entre um pastel de queijo dividido por todas d canecas generosamente cheias de café acabado de passar.
No caminho para o terminal de autocarros, encontramos a empresa do Freddie, boliviano que faz excursões de Tupiza para Uyuni. É lá que negociamos o preço e o programa dos próximos dois dias e uma noite. Na hora e meia seguinte confirmei que o mundo é uma ervilha - o Freddie tem uma irmã e o sobrinho a viver em Portugal - e pude perceber que ele será provavelmente o grande empresário e dono de metade de Tupiza: além da agência de excursões, aconselha os cafés no botequim da irmã, do outro lado da estrada, e as compras para os dias de viagem na mercearia da mãe, Helena, mesmo ao lado do escritório. Um verdadeiro negócio vertical. 




terça-feira, 8 de abril de 2014

buenos sábados #45

fazer contas e começar o dia com uma hora de diferença de buenos aires e cinco de Lisboa. acordar numa cama de colchão duro e três cobertores, em pleno deserto de sal, antes de o sol nascer, para ver o sol nascer. não se vê nada naquela casa feita de tijolos de sal, a noite escura só deixa adivinhar o que vimos no dia anterior, uma pequena aldeia no meio da Bolívia que recebe milhares de turistas por ano mas que nem por isso está preparada para receber. lembrar a chegada na noite anterior, horas e horas em autocarros, travessia de fronteira a pé, mais um taxi e câmbio, meia dúzia de cafés com cara de água suja. lembrar a vontade de um banho quente naquela casa de banho alagada e até aí, sem água morna. o esforço do dono da casa para arranjar banho quente naquela casa aquecida de sal. madrugada gelada acima, o dia a nascer a cada quilômetro de jipe. o barulho do sal em pressão contra os pneus, a paragem para as fotografias, o nascer do sol no sítio mais bonito que eu já vi. a paisagem sem fim, mesmo sem fim. as fotografias que não fazem justiça ao sítio, uma representação muito aquém daquilo que os olhos vêem e que a cabeça quer reter para sempre. e a certeza de que viajar vale sempre a pena e de que vale também conseguirmos deixar bocadinhos de nós nos sítios onde passamos e, ao mesmo tempo, deixarmos espaço vago para reter a energia que entretanto se acumula. o branco do sal no chão, a paisagem que não dá para descrever, a recomendação de que só indo para saber o que é - e mesmo assim, nem eu sei - o azul do céu, aquele azul do céu que impede o pestanejar que tão lindo que é. e depois aquela ilha, no meio de tanto sal, de um sal que não acaba, uma ilha de cactos, alinhados, desalinhados, só cactos. e ainda a paisagem no coração, na cabeça, e à minha frente sempre que os olhos de fecham. 
o regresso de jipe e o autocarro para Potosí, a cidade mais alta do mundo. partir de autocarro e chegar de carrinha de caixa aberta, que subir até cima não é pêra doce e os autocarros bolivianos resistem mas tardam. outra imagem na cabeça: os berros para nós deixarem tirar as malas da bagageira, a corrida até à carrinha, a subida. puxar malas, miúdos, senhoras. acomodar tudo em cima e a paisagem sem filtro e sem vidro, fotografada directamente da caixa aberta. as caras das pessoas surpreendidas com o nosso entusiasmo. a cidade alta, brilhante, antiga exploração de ouro, agora sem tanta riqueza. as casas inacabadas, cor de tijolo, sem janelas nem pintura. chegar e ir outra vez. nunca os sábados foram tão divertidos em viagem. este sábado, fora de buenos, ainda na minha latinamérica. 


quinta-feira, 3 de abril de 2014

buenos sábados #44


sábado de casa. sábado de pequeno-almoço no quarto - que a sala continua a ser quarto de visitas. sábado de entrevistas - uma fazedora que quando fala no negócio fala de inspiração na cabeça e no coração. sábado de desgravar entrevistas, de tentar entender a letra corrida das conversas por skype, sábado de pressas para acabar trabalho porque já se sonha com a viagem que aí vem. sábado de manhã em casa e de tarde no mesmo sítio. sábado bom, o penúltimo, em buenos aires. [pelo menos desta série de sábados buenos]

terça-feira, 25 de março de 2014

buenos sábados #43


olhar para trás é uma maneira boa de viver tudo outra vez. a memória tende a relativizar as más experiências, a guardar as boas sensações e a lembrar aquilo que me fez sentir bem, mais do que aquilo que me irritou ou me fez chorar. e, como o tempo corre, ainda sobra menos tempo para pensar nisso tudo outra vez. os dias caminham a passos largos para o regresso e isso faz com que esta casa tenha, por cá, os dias contados. por isso, quero guardar o cheiro bom das pastelarias das mediaslunas e dos passeios ao fim da tarde, mate às costas, pelos bosques de Palermo. insisto em manter as sapatilhas por lavar e em não pensar em malas até ao dia em que tenho mesmo que as fazer. e depois, voltar aos jardins e sentar-me numa manta sem pressas, agora que a tese está entregue, agora que - só - preciso de trabalhar mais para deixar tudo pronto até ao regresso. eu quero manter esta sensação de surpresa do primeiro dia e observo sem perceber que mesmo as coisas que já são rotina mantêm o encanto da primeira vez. essa sensação que não sei explicar melhor do que isto: sinto-me em casa ainda que me sinta fora de casa. e vice-versa. dá para perceber? e depois leio, nesta casa-jardim a um mero passeio a pé de casa. deito-me na relva, deixo-me aquecer pelo sol e permito-me fazer parte desta poesia. os sábados em Lisboa são bonitos - que bem me lembro. mas os sábados em Buenos Aires não ficam atrás. buenos sábados, estes, os quarenta e três. 

terça-feira, 18 de março de 2014

buenos sábados #42


saber que mesmo que este sábado quarenta e dois dê as voltas que possa dar - e mais algumas - ele vai invariavelmente passar por um grande avanço da tese. escrever sábado quando a cabeça já vem a pensar o que escrever desde sexta. minto, desde muito antes, que as entrevistas já começaram em novembro. mais uma entrevista, outras tantas por fazer - que a adrenalina de deixar para o limite sabe quase tão bem como sabê-la bem encaminhada e pronta. depois, fazer contas às horas. saber que, tendo visitas - que bom que houve tanta mas tanta gente a visitar-me aqui - a deadline não permite grandes passeios. ainda assim, organizar para poder sair  e pensar que, mesmo estando sol, há um sol que vai brilhar mais depois da entrega. o tempo não estica, já sei. mas dá vontade de esticar o fim de semana de maneira a que seja mesmo elástico para prolongar os momentos bons e deixar passar - rápido, indolor mas eficaz - o tempo de cabeça e olhos alerta e rabo sentado no sofá. isso e levantar-me, de vez em quando, para olhar outra vez pela janela. empurrar o vidro, olha para o céu, pensar nas coisas e nas pessoas. saber que o sábado bom está em contagem decrescente já, para outros tão bons como ele.