O barracão está a média luz. Há lâmpadas de cores penduradas no tecto, em forma de círculo - vermelhas, amarelas, azuis, verdes, brancas -, cadeiras todas diferentes em cores e feitios, pernas meias bambas, como as das mesas. E uma espécie de instalação, forrada com plástico vermelho, pendurada na parede, que os olhos - e as cabeças - mais inspirados conseguem fazer ver uma espécie de coração (ainda que um tanto ou quanto disforme).
Às primeiras notas de acordeão, explica: em grupos de dois, um dos elementos fecha os olhos e pousa um braço no ombro do outro elemento. Meio abraço, explica, intercalando o castelhano e o inglês.
A primeira sensação é de desgoverno. "Normal que queden medio mareados". Aos primeiros passos, a sensação de ficar sem chão. Falta-nos um sentido. Os outros apuram-se para o equilíbrio falha. A cabeça anda à roda como se os pés não respondessem ao ambiente: afinal, não vemos. Por isso temos que confiar no nosso par.
Para dançar é preciso confiar porque é preciso ceder. O par do tango guia-nos os passos como se fôssemos nós mesmos. Os passos são complementares, como se o par fosse só um. O espaço deixado por uma perna inclinada é preenchido pela perna do outro; o espaço que a perna veda obriga a um jogo de gato e rato que não permite deslizes.
Pouso a mão esquerda no ombro dele, a mão direita na mão esquerda dele. O abraço, como eles lhe chamam. A proximidade do par - com a pressão de ter que sentir aquilo que o peito do par nos diz em matéria de passos - deixa-me envergonhada. Desvio o olhar, coro. "Para que o teu par confie em ti e para que os dois dancem melhor tens que olhar para ele. Não podes deixar que os vossos olhares deixem de cruzar-se. Senão, ele fica inseguro, começa a pensar que estás distraída, que olhas para outras pessoas. Distrai-se e isso é má dança na certa."
Todas as fotografias foram tiradas na Catedral do Tango, em Buenos Aires.
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