quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

nove meses de Buenos Aires, ao ritmo dos 90.


Eu ainda não me tinha dado conta. Às vezes acontece, não é? Tão preocupada que andava em entrar na rotina que, só no outro dia quando comentava com o meu pai, percebi. A vida em Buenos Aires, ainda que caótica, é muito mais calma. A conversa surgiu a propósito de uma amiga lhe ter perguntado quando é que eu voltava. E de o meu pai lhe ter dito que em princípio voltava em Abril mas que, ao mesmo tempo, a vida por aqui era mais calma e era assim que se deviam viver os dias. 

A verdade é que eu, desde que falámos no assunto, tenho reparado melhor nesta constatação. Como quando passamos todos os dias por alguém ou alguma coisa e nunca reparamos nela até nos apresentarem essa pessoa ou nos falarem daquele sítio ou daquela coisa.

O meu pai diz que o ritmo de vida na Argentina é mais ou menos como aquele que se vivia em Portugal nos anos 90. Ou pelo menos, as duas semanas que cá esteve fizeram-lhe lembrar essa altura. Não me lembro bem dos anos 90 - andava na escola primária e a velocidade a que passavam os dias só me chateava nas férias porque, passado um mês, me cansava de não fazer nada e só queria forrar livros e cadernos e fazer-me ao estudo. Mas o meu pai queixa-se que agora não tem tempo para nada e que antes os dias pareciam ter muitas mais horas.

Nove meses de Buenos Aires, apesar do caos dos transportes e dos serviços públicos e da inflação e da desorganização e das semanas que passam a correr é, de facto, mais calmo. E essa calma e essa ponderação a olhar para as coisas e mais tempo livre para observar as vidas das pessoas levaram-me a descobrir que:

- É difícil que algum porteño chegue a horas onde quer que seja: quando um assado é às 10 e se combina às 9h30 para se chegar a horas há sempre alguém que chega às 10h10 e diz que para os assados "não há pressa" e "de certeza que ainda não chegou ninguém".

- Os porteños têm um grupo de amigos que vem desde a pré-primária e no qual é difícil entrar. No início das aulas, vivi na pele essas dificuldades: quando acabava o dia de mestrado, lá ia tudo na sua vidinha para casa, ou ter com os amigos, ou fosse o que fosse. Mas nunca, nunca nos encontrávamos depois. Obviamente, com o tempo, houve gente de quem me fui aproximando

- Os cafés podem durar horas. Quando um argentino decide ir tomar um café isso implica sentar-se, namorar a ementa, pedir com calma e aproveitar o momento para dar uma vista de olhos no jornal e beber tranquilamente o seu "cortado", comer uma medialuna e tomar o copo de água com ou sem gás que o café oferece. Às vezes, a bandeja ainda traz umas bolachinhas secas de limão ou de manteiga e, mais raro, um sumo de laranja. Aqui não há aquele café de fugida que eu tomava tantas vezes em Lisboa.

- Eles adoram andar de autocarro. Sim, se em Lisboa eu só andava de metro, aqui a coisa mudou. Porteño que é porteño  prefere o autocarro que, pensando bem tem muitas vantagens. A rede é muito melhor (chegam a todo o lado), a espera é normalmente curta e sai mais barato. Obviamente tem desvantagens: a minha experiência diz-me que é preciso bons braços para aguentar a condução racing e as travagens apertadas.

- Eles aproveitam à séria. Não têm praia mas vestem o biquini e fogem para os parques, para o rio ou para a praia aqui perto. Aproveitam os concertos grátis, as peças de teatro e os espectáculos de dança, de poesia, de bandas mais ou menos conhecidas, de companhias amadoras. Aproveitam as varandas, os passeios na rua e chegam a trazer cadeiras para a rua só para aproveitarem a brisazinha fresca do fim do dia. Aqui não há mar mas nem por isso o pôr-do-sol é menos bonito. O céu fica cor-de-rosa, o céu muito azulinho e é vê-los a todos a aproveitar o fim da tarde em qualquer esplanada pela cidade fora. 

- É preciso ter paciência. A burocracia demora muito, os transportes outro tanto para chegar de um sítio ao outro e é preciso fazer muitas contas de ponderação em relação à demora dos autocarros, à velocidade a que conduz o motorista e o trânsito. Mas se pensarmos que, contra as coisas que não podemos mudar nem vale a pena tentar, os dias ficam mais fáceis. Depois, é encher o peito de coragem e procurar. Sei bem: quem procura, acha.

Há muitas outras coisas mas ficam para a próxima. Ainda há meses pela frente. 

2 comentários:

  1. Fiquei ainda com mais vontade de conhecer Buenos Aires ...
    Temos família no Brasil, quando lá formos "mato dois coelhos de uma só cajadada" ;)

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  2. Ah... Eu cá sou da opinião da minha amiga argentina Natu, que dizia que os portugueses eram os argentinos da Europa. É que temos muitas coisas parecidas, nomeadamente os cafés que duram horas, o nunca ser pontual e a burocracia que leva a paciência toda a uma pessoa. Mas sim, temos de melhorar a parte do aproveitar a sério que os tugas têm muito de preguiçosos e adoram queixar-se da vida, esquecendo o principal :)

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