terça-feira, 14 de janeiro de 2014

vinte e nove.

Teste. Um, dois. Mariana. Esta sou eu. Em constante prova de som. É um exercício difícil, este, de escrever sobre mim. Nasci hoje, isto é, num 14 de Janeiro mas há vinte e nove anos. Só que sinto que, mesmo com a urgência dos dias, nasço todos os dias um bocadinho. [e não nascemos todos?] A magia que isto tem é que nunca me farto. Os dias têm sempre algo de novo.

A culpa talvez seja minha. Ou então do Titú que, de cada vez que eu chegava à sala do avô Adelino me dava um problema matemático para resolver. Isso não fez de mim grande calculadora - nem grande calculista - mas fez-me mais arisca na procura de respostas. Nem tudo é matemática, sei bem. Escolhi ser jornalista pela sensação da eterna novidade do mundo de que fala Alberto Caeiro. Olhar para os desconhecidos e contar a história deles a outros. Mas não inventando. Fazendo-lhes perguntas, usando a minha curiosidade, querendo saber. Às vezes acho que o jornalismo me escolheu porque sinto que não podia ser outra coisa. Sei bem do privilégio que é poder fazer da escrita o trabalho de todos os dias e ter a oportunidade de testemunhar o que acontece com os próprios olhos. Se já somos jornalistas da própria vida, eu quero reportar as vidas dos outros e poder fazer isso faz de mim uma sortuda tremenda.

Emociono-me quando leio poesia, quando vejo um filme bonito e triste ou quando, ao ouvir uma canção qualquer, me vêm à memória imagens de outras alturas e de outros dias. As minhas amigas acham que eu raramente choro (ainda que eu chore, juro). Tenho a mania que o meu tempo estica - nisto saio à minha mãe [e não é que estica mesmo?] - e que, por isso, posso dizer que sim a tudo porque a minha agenda é da família dos elásticos. Não é, já me dei conta, e isso já me trouxe noites mal dormidas e algumas lágrimas momentâneas, que eu às vezes também stresso. Mas depois passa.

O meu treinador de basquetebol dizia que, sempre que eu entrava em jogo se notava porque o ritmo mudava. Eu nunca me chateei com a crítica - sei bem que o desporto nunca foi o meu forte - porque eu não estava lá para ser a melhor, mas para ser o melhor que podia porque adorava lá estar. Às vezes parece-me que esse ritmo mais lento na adolescência serviu de armazém ao ritmo com que agora encho os dias. Na minha agenda, nunca há horas em branco mas há sempre espaço para uma coisa de última hora. No meu iPhone há sempre memória para mais uma fotografia, sempre saldo para uma chamada, sempre bateria para uma mensagem. 

Quando era miúda era calada, sempre compenetrada, concentrada, cuidadosa. Mudei. Continuo cuidadosa mas tenho dias em que sou faladora sem ser tagarela. Continuo sem dizer tudo o que penso mas já dizendo aquilo que em tempos nunca diria. Enervam-me os que falam sem saber, revoltam-me os injustos, dão-me cabo dos nervos os preguiçosos, invejo os despreocupados. Levo-me a sério e levo tão a sério os outros como a mim mesma. Por isso, às vezes custa-me mesmo que os outros não vejam a vida como eu, e isso só resulta num mau feitio tremendo que muita gente não consegue engolir. 

Sou irmã mais velha e isso vê-se sempre - acho eu - e manifesta-se até na maneira como tento sempre proteger os outros. Não serve de desculpa, mas é por isso que sou tão chata, sisuda à primeira vista e por isso, manos, é que não me servem os "satisfaz" no que vocês fazem. Por isso, sou também resultado e gestora do desapego do João, da vontade da Zoca, da ternura da Mi e do coração blindado da Madalena. Tenho um alto no peito igual ao da avó Petite, a ponderação do avô Jú, o jeito de mãos da Titezinha, a vontade de não calar a verdade do avô Mica, os olhos da avó Ester. Tenho o cabelo do pai e a fibra da mãe. Não tenho cócegas por causa da minha madrinha e, até nas mais pequenas coisas, juro e sorrio por ser tantas vezes, "tão parecida com…". Mesmo que não o diga. Lido melhor com críticas do que com elogios. Tenho tanta coisa e tenho tantas saudades. Não sou ainda nada e tenho em mim todos os sonhos do mundo. Tudo ao mesmo tempo. 

Estou há meses para escrever um texto de introdução sobre mim para o meu currículo. E custa-me. Custa-me muito. Porque uma pessoa não se define só pelas palavras, muito menos quando se autodescreve. Que batota esta de fazer um exercício egocêntrico quando eu sou resultado de tantas influências. E dúvidas que levam a certezas. Porque, na verdade, nisto de fazer anos - que já lá vão uns quantos - comemora-se exactamente o quê? O que foi ou que há-de vir? 

3 comentários:

  1. Tão bonito :) eu acho mesmo que nunca choras e que só me dizes metade, love

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  2. Adorei. Muito bonito.
    Muitos parabéns com um dia de atraso, Catarina!
    Um beijinho de Barcelona,
    Inês Black

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  3. Jornalista, mas antes de tudo pessoa. De fato só com um grande coração é possível escrever assim, com o "brilhozinho nos olhos" e com o "coração a saltitar".
    Beijo Mariana!
    Quanto ao ritmo do jogo, às vezes é preciso "adormecer" o adversário, na realidade era isso que tentávamos fazer, mas nunca nos compreenderam!

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