terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Sobre 2013 [o melhor do ano]

Pensar que quando começou, nem eu fazia ideia do que ia acontecer depois. Era dia 1 quando me meti no avião para o Chile. Um calor sul-americano, a Plaza de Armas e a La Moneda, uma crise de coluna em pleno Valle de La Luna em San Pedro de Atacama. A emoção de conduzir milhares de quilómetros para chegar a um deserto com o pôr do sol mais bonito que eu já vi na vida.


O vento na cara, a pele cor de laranja do sol e eu a pedir ao sol e ao céu gigante e à areia das dunas e às estrelas que me deixassem mudar de vida, tentar noutro sítio, aprender a integrar-me outra vez. 2013 desafiou-me [desafiei-me] porque enquanto eu ainda andava em pedidos ele já tinha preparado a mudança. Chegada a Lisboa depois de comemorar os anos no sambódromo, partia para a Colômbia con mucho gusto. As delicadezas que ampararam o primeiro desaparecimento da primeira mala de viagem. E o regresso já de mala protegida com etiqueta e outra mala perdida. Está tudo bem.


Chegar e entrar outra vez na rotina, que boas férias, que bons dias de sol e de calor, de coração cheio. Viajar, ir a Itália, à Alemanha. Entrevistar gente, andar a mil como eu gosto, jantares e lanches, fins de semana bons, o calor da casa e da casa dos avós em domingo de Páscoa. A notícia de que afinal eu ia, tratar de papéis e deixar tantos por tratar. Ser madrinha de casamento. Chorar. Despedir. As respostas que tardaram, a mudança de cidade, de país, de casa. De casas.


Falar castellano com j, como castejano, comprar o SUBE e andar de Subte. Habituar, habituar, fazer um esforço. Sair da zona de conforto, começar outra vez, noutro sítio. Sozinha. Escrever de outra maneira, criar más interpretações, seduzir, ganhar confiança. Ver que os domingos não têm que ser dias de nostalgia, aproveitar os mercados e ter a certeza que, depois do Inverno vem a Primavera. E que depois de dois Invernos vem uma Primavera ainda melhor. Mudar de casa três vezes, encontrar A Casa porteñoportuguesa. Sentir-me em casa fora de casa. Ser assaltada e perceber que a cabeça é quem comanda e que, sendo assim, e não podendo remediar o que não tem remédio, mais vale passar à frente e tratar das coisas que ninguém vai lá por ti. Chorar de dores na coluna e chorar de saudades. Chorar de alegria de rever os pais, a irmã, as amigas, a madrinha e o Miguel. Escrever muito, escrever tanto que acho que nunca escrevi tanto assim. Escrever em português, em inglês e em espanhol. Sentir cada vez mais conforto a escrever em português. A cabeça descansa quando escreve em português, sempre que lê português.


Voltar ao Brasil e voltar outra vez. Conhecer Mar del Plata, Mendoza, Montevideo. Voltar a Colónia, fazer reportagem em Gualeguaychú, em Medellín, em Lisboa e no Porto. Em pessoa, por telefone, tantas vezes por Skype. Dançar, cantar, gritar, cantar alto, dançar na rua. Usar poucos saltos altos, muitas sapatilhas. Cair várias vezes. Duas no Chile, duas em Buenos Aires, outras tantas no Rio.


Aprender a elogiar o nosso, a dar ainda mais valor. Chegar e parecer-me que não mudou nada, que os cheiros são os mesmos e que as pessoas também. E que isso é bom.


Fazer planos, preparar candidaturas. Andar a correr, sempre a correr, o ano, este ano, que foi o mais rápido de sempre. Andei ocupada - sei que andei. Andei feliz da vida. Aprendi muito, tive tempo para ler outras coisas, conheci muita gente nova e dei-me a conhecer a novos amigos e a amigos de sempre. 2013 foi ano de mudança. Quero poder dizer que foi a preparação para o que aí vem. Venha o próximo.  

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Quatro dias de Floripa

Primeiro, o bafo quente do Verão que aquece à saída do avião. Floripa é quente e dá para ver nos abraços no aeroporto. A tia Sandra espera de cartaz nas mãos da "motorista particular", Edna. As duas transportam-se pela ilha de carro e, a última, muitas vezes de bicicleta eléctrica (sobretudo de uma casa à outra - são vizinhas) "para não cansar, sabe?" Encontrei elas, perdão, encontrei-as, as duas de gargalhadas fáceis, as duas à espera do mesmo que eu. Depois, os abraços da Débora, com quem me encontrei na Ilha da Magia. Floripa, a ilha, é bem mais do que aquilo que eu tinha percebido quando visitei pela primeira vez. O aeroporto - sempre o aeroporto - cheio de gente, de boas energias, de abraços esperados e de gritos histéricos da surpresa de quem há muito não se via. 

A praia, os pés escaldados e a cabeça vazia de tudo. Sem telemóvel, sem internet, quase sem máquina fotográfica. Sem dar notícias, sem ter notícias. E isto é difícil para mim, acreditem. O centro mais estranho do que nunca, com árvores de Natal e duendes e a Mariah Carey a cantar "All I want for Christmas is you" nas colunas penduradas na figueira da praça central ao mesmo tempo que os termómetros medem 34ºC.


A praia Brava tem um mar bom de mergulhar, sem fundões e com vento que até disfarça o sol quente.  Não tem cafés, mas que falta fazem os cafés quando há um mini-mercado onde podemos comprar uma embalagem de queijo creme e passar por ela bolachas de cereais? Tem autocarro mas nós tínhamos boleia, e isso é o melhor do mundo em Floripa: ter uma maneira de chegar de um sítio ao outro. Nem sempre foi assim e aí há que habituar aos horários que não se cumprem, mesmo na central de ónibus. Habituar também às curvas apertadas da ilha e que os motoristas fazem questão de salientar, à falta de assentos e ao calor, mesmo com as janelas escancaradas. Habituem-se ainda os corações e as bocas, que os sorrisos e as gargalhadas são coisa que não falta entre algumas queixas de que a "Copa pulou Floripa", de que "os políticos não fazem isto e aquilo" e a "gente anda fugindo disto e daquilo", e o mau ambiente do "vizinho gringo que vende droga" e os preços que "não param de subir, viu guria?" e tornam Floripa um lugar onde "a gentji não pode mais viver bem".   

A Lagoa da Conceição, aquele barco de madeira com nome de gente, aqueles miúdos metidos no barco para irem para a escola. As conversas sobre as prendas para a troca do amigo secreto, os miúdos entusiasmados a taparem a boca para não lhes escapar o nome do sortudo que tem a prenda que eles queriam para eles. Depois, as casas à beira da lagoa. As canoas, os caiaques, os barcos. As casas de madeira com janelas grandes para deixar entrar a luz e os sons dos pássaros e do barco a passar e da gente na cascata ou no posto médico ou nos caminhos de terra ou até nos restaurantes à beira-lagoa. Um cais em cada casa disfarçada no meio da floresta tropical onde só se vêem meia dúzia de janelas com vista para o azul esverdeado que nunca cansa. O miúdo a mergulhar na lagoa com o sol já a pôr-se e os outros, tipo público, a aplaudirem a coragem e o ritmo do entra da água-corre no pontão-salta para a água- nada-entra na água que parece nunca mais acabar. O cheiro a familiar, a passeio que já se fez e se refaz, uma coisa que parece nossa parecendo estranha. A lagoa que muda de cor conforme a hora do dia, a praia que muda a nossa cor da pele conforme as horas de sol, a gente que muda a nossa cor de espírito conforme a energia das palavras, "eu bem 'tava reconhecendo esse sotáqui", o "oi?" que nos faz sorrir apesar dos nervos de falarmos todos a mesma língua e eles não nos entenderem, viu? As pessoas daquela terra vivem em casas de cores na ilha da magia. E isso, quer queiramos quer não, faz delas diferentes de todas as outras pessoas do mundo. 

A Mole continua a ter os garotos mais gatos da ilha, que carregam as pranchas areia acima, mar abaixo, largando sorrisinhos para as garotas estendidas ao sol ou jogando vólei. O pastel de queijo, o pastel de camarão, a skol gelada, o último mergulho no mar do ano em pleno Dezembro. Era capaz de me habituar, confesso. Pelo menos por mais uns dias.

Ainda assim, o Natal aqui não tem sabor de Natal com frio na cara e cachecol bem chegadinho ao pescoço. Mas a isso já iremos. Nem Buenos Aires nem Floripa obrigam a um cappuccino quentinho e a tirar os casacos quando entramos num café qualquer. Obrigam antes a tecidos finos, a chinelos nos pés, a saias e a calções sem meias, a vestidos esvoaçantes. Mas há nestes sítios a magia de olhar para as árvores iluminadas com luzes de Natal e ver para lá das temperaturas, sabendo que nada se compara a um Natal em casa. Até já.  

sábado, 14 de dezembro de 2013

buenos sábados #32

À minha frente, na fila do check-in, um homem vestido com calças de ganga, botas de cowboy, camisa azul e um grande chapéu de palha beija no pescoço uma loura platinada de cabelos compridos, que ultrapassam a linha do cai-cai às flores cor-de-rosa que conjuga com umas alças de soutien preto à mostra. Estamos em fila para S. Paulo, cidade gigante de cima, que imagino ainda maior vista da terra. 
Eles estão à minha frente. Ela balança o cabelo, ele olha para ela e sorri. Empurram o carrinho das malas, querem chegar a casa. Mais nos aproximamos, mais me surpreendo com o que vem a seguir. Metido no bolso da camisa, um passaporte português e um bilhete de identidade dos antigos. Buenos sábados em Buenos Aires. Mais um.  
[e começar o sábado numa festa com amigos, numa varanda. calor em Dezembro, calor bom em Dezembro que parecem as noites de Agosto. tanto e tão boa que até teve direito a chuva de estrelas. e a pedidos de desejos de olhos fechados. depois, acordar com a luz de sábado cheio de sol, fazer a cama, arrumar o quarto, um bom banho para acordar, uma boa mala para fazer. e este check-in. e depois outro, em S. Paulo. e agora, a escala para Floripa. é lá que começa o meu Verão.]

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

sexta-feira treze.


Por muito que pense no assunto, não consigo lembrar-me se me disseram primeiro ou se fui eu que percebi que a sorte não se faz sozinha. Sempre tive a mania das datas - tenho muita facilidade em decorar números, dias, nomes e caras - mas acho que nunca tive medo das sextas-feiras treze. Há qualquer coisa nos dias prometidos que me deixa na expectativa. Não guardei para fazer hoje mas a coincidência enche-me de entusiasmo: hoje, sexta-feira treze, meti mais uns papéis. Agora é torcer. Ou melhor, confiar. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

um problema de horas.

Há por cá um problema de horários. As aulas estão marcadas para as 9h30 mas nunca começam antes das 10h10. Quando ontem nos avisaram, por email, que afinal hoje começávamos às 10h, ainda pensei que alguma coisa pudesse mudar [podia ser que o problema fosse de transportes, de não fazer bem as contas, sei lá]. Mas não. Hoje começámos às 11h. E o professor que vinha às 12h30, às 12h55 ainda não tinha dado sinais de vida. 



Relógio:Casio|Quadro:Falabella|Fotografia:Instagram

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

sete meses de Buenos Aires

Quando as coisas nos são estranhas e a rotina ainda nos é desconhecida, sentimo-nos mal. O desconhecido assusta, sentimo-nos mais pequenos, menos capazes. Ficamos nervosos ao primeiro não. Quando isso acontece num país que não é o nosso e nem sequer nos conseguimos expressar como gostávamos, a coisa complica. 
Viver fora, viver a milhares de quilómetros de casa, é sempre assim. Primeiro, é o esforço de nos adaptarmos ao ritmo de uma cidade onde nunca vivemos. Depois de já não precisarmos do mapa para irmos aos sítios mais comuns, é hora de nos aproximarmos das pessoas. Fazer amigos, combinar jantares, ficar contente quando somos convidados para os programas que combinam com os amigos deles, anteriores a nós. Há dias em que o nosso corpo cria resistências, em que o sotaque não é daqui nem de outro sítio qualquer e em que até as palavras mais fáceis se tornam impossíveis de dizer. É nesses dias que temos vontade que o regresso chegue depressa e corremos para casa - porque temos a sorte de viver com gente que afinal nos percebe melhor do que ninguém, por estes dias. Há outros dias em que as coisas se descomplicam: em que inventamos palavras, repetimos expressões porteñas como se já fossem as nossas e sorrimos sem querer ao porteiro que corre a abrir-nos a porta só para não nos obrigar a tirar à pressa a chave da carteira. É nestes dias que nos sentimos bem. Buenos Aires, ao fim de sete meses, já é quase sempre assim. O prédio para cuja porta o porteiro corre para nos deixar entrar e nos poupar a corrida à chave. A casa na qual somos bem-vindos. Como se fosse a nossa. 









sábado, 7 de dezembro de 2013

buenos sábados #32


não sei como raio passou tão rápido. o penúltimo sábado do ano em Buenos Aires chegou assim, meio de repente mas já contando. trouxe novas visitas, gente que não conhecia, e encheu-nos a casa outra vez. só fazendo as contas se pode saber quantas pessoas passaram por esta casa desde que cá estou. muitas andam a viajar pelo mundo. é bom sentarmo-nos à mesa a conversar sobre as histórias que trazem bordadas nas mochilas que a Sur adora. Passeamos pela cidade, andamos pelas ruas já de cor e há tantas vezes tanta gente que conhecemos em comum que depressa as visitas desconhecidas se tornam amigas. entre tantas palavras escritas em trabalhos de universidade e trabalhos de jornal há muitas conversas cruzadas, muitas misturas de frases que chamam a atenção. há bilhetes queridos deixados na mesa, garrafas de vinho, rolos de papel higiénico e até cortes de cabelo que servem de agradecimento pelo colchão na sala, pela água quente do banho e pela chave de casa a mais sempre à espera de novos donos que guardamos no chaveiro só com quatro pregos. jantamos fora - mais um bom bife - e o tempo de espera no restaurante transforma-se numa conversa boa. mais um sábado bom, o trinta e dois.