terça-feira, 25 de março de 2014

buenos sábados #43


olhar para trás é uma maneira boa de viver tudo outra vez. a memória tende a relativizar as más experiências, a guardar as boas sensações e a lembrar aquilo que me fez sentir bem, mais do que aquilo que me irritou ou me fez chorar. e, como o tempo corre, ainda sobra menos tempo para pensar nisso tudo outra vez. os dias caminham a passos largos para o regresso e isso faz com que esta casa tenha, por cá, os dias contados. por isso, quero guardar o cheiro bom das pastelarias das mediaslunas e dos passeios ao fim da tarde, mate às costas, pelos bosques de Palermo. insisto em manter as sapatilhas por lavar e em não pensar em malas até ao dia em que tenho mesmo que as fazer. e depois, voltar aos jardins e sentar-me numa manta sem pressas, agora que a tese está entregue, agora que - só - preciso de trabalhar mais para deixar tudo pronto até ao regresso. eu quero manter esta sensação de surpresa do primeiro dia e observo sem perceber que mesmo as coisas que já são rotina mantêm o encanto da primeira vez. essa sensação que não sei explicar melhor do que isto: sinto-me em casa ainda que me sinta fora de casa. e vice-versa. dá para perceber? e depois leio, nesta casa-jardim a um mero passeio a pé de casa. deito-me na relva, deixo-me aquecer pelo sol e permito-me fazer parte desta poesia. os sábados em Lisboa são bonitos - que bem me lembro. mas os sábados em Buenos Aires não ficam atrás. buenos sábados, estes, os quarenta e três. 

terça-feira, 18 de março de 2014

buenos sábados #42


saber que mesmo que este sábado quarenta e dois dê as voltas que possa dar - e mais algumas - ele vai invariavelmente passar por um grande avanço da tese. escrever sábado quando a cabeça já vem a pensar o que escrever desde sexta. minto, desde muito antes, que as entrevistas já começaram em novembro. mais uma entrevista, outras tantas por fazer - que a adrenalina de deixar para o limite sabe quase tão bem como sabê-la bem encaminhada e pronta. depois, fazer contas às horas. saber que, tendo visitas - que bom que houve tanta mas tanta gente a visitar-me aqui - a deadline não permite grandes passeios. ainda assim, organizar para poder sair  e pensar que, mesmo estando sol, há um sol que vai brilhar mais depois da entrega. o tempo não estica, já sei. mas dá vontade de esticar o fim de semana de maneira a que seja mesmo elástico para prolongar os momentos bons e deixar passar - rápido, indolor mas eficaz - o tempo de cabeça e olhos alerta e rabo sentado no sofá. isso e levantar-me, de vez em quando, para olhar outra vez pela janela. empurrar o vidro, olha para o céu, pensar nas coisas e nas pessoas. saber que o sábado bom está em contagem decrescente já, para outros tão bons como ele. 

segunda-feira, 10 de março de 2014

dois dias em Iguazu.

A viagem de dezoito horas de autocarro não custa, juro. Bem, para ser franca, custa muito menos do que uma viagem de quinze horas de avião, a mesma que eu fiz para chegar cá depois do Natal. Ou talvez me tenha custado mais essa no início de Janeiro, porque a vontade de ficar era maior do que a de voltar, mesmo que em Lisboa fosse Inverno e mesmo que cá fosse Verão. A verdade é que, comparado com o espaço que cada passageiro tem num avião, o assento/semi-cama dos autocarros argentinos é um penthouse com direito a comida razoável, a uma temperatura made in ar condicionado que não perturba e a imagens de pôr e de nascer do sol irrepreensíveis.

Por isso, mais do que o espaço apertado da cadeira, custa o trânsito louco de Buenos Aires numa sexta-feira de Verão, que coincide com as viagens de milhares de porteños para as praias mais perto da capital.

Chegar a Iguazu é, desde logo, mergulhar numa floresta cheia. Muito verde, paisagem a lembrar o Alentejo de Primavera ainda que com muitas mais árvores, cheiro a terra e a campo e a gente mais simpática do que na cidade. Depois, é sentir a humidade a entrar pela roupa e a colar-se à pele e a passar para os ossos, e sentir que ela só se vai embora à medida que nós formos também - e se realmente formos também. Puerto Iguazu é, na estrada, depois de El Dorado e de Puerto Esperanza, terras tão prometedoras como desertas. Há pouca gente por lá, poucas casas, pouco movimento. El Dorado tem a rodoviária por onde passa o autocarro já atrasado que termina a rota em Puerto Iguazu e que, talvez por isso, lhe dá ainda menos importância do que podia considerar merecer.



Saem pocos passageiros em El Dorado, e regressa o autocarro de dois andares pela estrada meio molhada da chuva, a outra metade de humidade. Há obras na estrada - como em Buenos Aires, a cada passeio, há obras e muitos homens a trabalhar nelas, ainda que pareçam muitos mais do que os necessários - e, chegados ao terminal, há calor e cheira já a humidade e a água. Esticamos as costas, perguntamos se o hostel fica perto e metemo-nos num táxi por 50 pesos, quase cinco euros para fazer cinco quilómetros até ao quilómetro 5 da estrada que leva os milhares de turistas que visitam diariamente o Parque Nacional de Puerto Iguazu. A piscina pisca o olho mas é preciso fazer contas ao tempo: combinamos com o taxista ruivo e branco de olhos claros que daí a uma hora nos leva ao lado brasileiro do parque. A correr, fazemos o checo-in, trocamos de roupa e de sapatos, lavamos a cara e os dentes e pomo-nos a caminho do espectáculo.

A entrada custa uma pipa de massa (não me lembro bem mas acho que uns 30 euros por pessoa; caro para mim, considerando o preço do hostel, da viagem e de que também do lado argentino teremos que pagar outro tanto) mas basta o caminho de autocarro e a trilha a pé para percebermos que o espectáculo vale a pena. Está calor, há gente a fotografar-se por todo o lado, fotógrafos profissionais a abordarem permanentemente os turistas para lhes tirarem fotografias de braços no ar em frente à catarata. Mas basta fechar os olhos e voltar a abrir para o encantamento começar todo outra vez. 

Ali, passa tudo pela cabeça e desaparece tudo. E, isto tudinho ao mesmo tempo. Há calor, há sol, há água. Há humidade que sobra, há verde de sobra, azul de sobra da água e do mar. A água, mesmo mesmo perto da queda, é água que arrefece sem dar frio, refresca sem perturbar, molha muito sem chatear ou preocupar. Logo seca.

Depois do parque, sentamo-nos na esplanada. Um sumo de ananás que não custa nenhuma fortuna, uma espera calma, uma carga de água que nos países tropicais isso é o mais certo. Apanhamos o autocarro até à entrada e o táxi até ao hostel. Saindo depois do almoço e chegando ao fim da tarde, o dia ainda chega para um mergulho na piscina. A água, morna.






Escolher o lado das cataratas a visitar primeiro é ter em conta, não só as questões de tempo - chegar a meio de um sábado e ter todo o domingo livre -, mas conselhos de quem já lá tinha ido. A maioria das pessoas e dos guias recomenda que a visita ao lado brasileiro seja mais curta do o passeio no lado argentino. Primeiro, porque o primeiro percurso é mais curto. Depois, porque a escolher um seria sempre o segundo. Neste jogo, a Argentina ganha. É incrível ver as cataratas de frente. Mas, mais incrível ainda é estar ao lado delas. É de sonho.

O passeio começa de manhã cedo, mal abre o parque. Essenciais? Garrafa de água e uma muda de roupa na mochila. Além disto, a máquina fotográfica e vontade de andar. Entrar no parque custa cerca de 20 euros - inclui passeio de comboio pelo parque e todos os pontos obrigatórios-, mas fica mais caro se se quiser fazer algum dos percursos que propõe a empresa que há logo depois da entrada. Escolher o percurso de preço médio - o náutico - pareceu-nos o mais sensato. Custou-nos mais 18 euros, mais coisa menos coisa. Além dos caminhos pelas pontes de madeira e de metal, pelo meio da floresta e de combóio, o nosso passeio incluiu uma viagem de barco. Sim, tomámos banho de cascata. Sim, duas vezes. Sim, foi de sonho.

O resto, acho que dá para ver nas fotografias. É incrível existir um sítio assim. Há arco-íris para pedir desejos, borboletas com números nas asas e é impossível tirar más fotografias porque a paisagem é linda de morrer.
E só consigo pensar na sensação do primeiro tipo que lá chegou e se deparou com aquele cenário. Imaginam a loucura? Agora, fechem os olhos. Estar lá, é muito melhor.









P.S.: No fim, há gelados para comer. Recomendo a mistura chocolate amargo e frutilla al água. E uma feirinha básica com artesanato que tem coisas, obviamente, com preços inflacionados. Eu preferi guardar o resto do dinheiro para a próxima viagem. Mas vale a pena dar uma vista de olhos.

P.S.2: Nota para o aeroporto de Puerto Iguazu, mesmo no fim da estrada que passa pelo parque. E, claro, para a vista do avião. Esta paisagem é a que me vai ficar para sempre na memória. 


sábado, 8 de março de 2014

buenos sábados #41


e, depois da ansiedade que antecede a chegada das visitas, depois da novidade dos dias com companhia, depois da vontade de mostrar tudo de todas as maneiras, da falta de tempo para ir a todos os sítios que me têm apaixonado ao longo destes dez meses. agora, depois de lhes dizer onde se comem as melhores empanadas, qual é a melhor maneira de ir para a Boca, de que cor é o céu dos dias de chuva e nos dias de sol, por que rua devem ir para a praça do centro de Palermo porque é a rua das lojas mais bonitas, das casas mais coloridas e dos melhores murais para fotografar. agora, depois de correr entre colectivos para chegar a horas aos encontros, depois de aulas de fugida para oferecer as melhores vistas da cidade, depois de trocar dinheiro nos arbolitos clássicos da Florida e de resistir a algumas das melhores medialunas da cidade só para as servir ao pequeno-almoço das visitas. depois de tratar de transferes, adiantar entrevistas, escrever muitos caracteres e fazer a cama de lavado. eis que chega o momento em que começa a contagem decrescente para o que há-de vir. volta-se ao mercado de manhã, volta-se ao café sem pressa de sábado de manhã, lê-se o jornal sem o comprar, observa-se. entra-se nas últimas semanas aqui. depois, ninguém sabe. e é neste misto de ansiedade e expectativa que vou descrevendo as sensações de quem ainda agora chegou e já se prepara para ir embora. ir, o verbo, é mesmo assim. acção pura, é o que é. mais um sábado, o quarenta e um, aqui. 

terça-feira, 4 de março de 2014

buenos sábados #40


as contas que se fazem quando o número é conta certa ficam adiadas pelas visitas que chegam quase todas as semanas. o descanso em casa, os sábados de não fazer nada e os cafés com livro ao fim da tarde ficam suspensos também, por impedimentos vários. às quarenta, acorda-se cedo para ir trocar dinheiro - e para se ser surpreendido pelo cambio fechado até às duas da tarde por ser fin de semana largo, em comemoração urbana carnavalesca que fez desaparecer metade dos porteños. revisitam-se os pontos turísticos com mais um par de visitas, passeia-se pelas ruas. Buenos Aires é daqueles filmes que vemos vezes sem conta e nunca cansam porque, de cada nova vez descobrem-se novas coisas. este sábado fui à Bombonera, onde nunca tinha entrado. entrei pela primeira vez na Catedral para ver tango a um sábado à noite. repito os sítios mas nunca repito as fotografias. cada vez gosto mais de Instagram e cada vez sigo mais pessoas. já falo da Boca como falo de choripan: conheço os cantos à casa, guio-me pelas ruas sem pestanejar e já não saco do mapa porque tenho o mapa na cabeça. a ver se o tempo não se apressa e me deixa fotografar muito mais nos sábados que restam. mais um, desta vez número redondo. quarenta sábados: nem mais, nem menos.