sábado, 26 de janeiro de 2013

La maleta roja.

Apontamento número 2. Stress no aeroporto
Não sei por onde começar. A verdade é que depois de confirmarmos as desconfianças, todas elas são muito mais válidas. E eu juro que, logo com a confusão de Lisboa - ainda era de madrugada  - fiquei com a sensação de que a mala não chegaria facilmente. Ou, pelo menos, tão facilmente quanto eu. A confusão de Miami - nunca tinha viajado para os Estados Unidos e confirmam-se as expectativas de que eles querem saber da nossa vida ao mínimo pormenor - levanto a mala, não levanto a mala, "toda a gente tem que levantar a mala", "despache-se e leve este cartão néon básico à mostra para a deixarem passar mais rapidamente na fronteira". A verdade é que tinha feito o check-in directo para Medellín, o que não obrigava a que apanhasse a mala vermelha senão à chegada à Colômbia. A escala em Miami foi a correr - o aeroporto é enorme e obriga a andar muito além das portas de embarque e desembarque, sempre de saco e carteira atrás - e a entrada no avião foi feita praticamente directamente, sem muito tempo para sentar e descansar. E o calor de Medellín não me convenceu. É que, depois de 17 horas de viagem entre três aviões e aeroportos de dois continentes, qual não é o meu espanto quando chego à Colômbia, lampeira à espera da mala e contente por o aeroporto de Medellín ser o primeiro do dia a ter wireless (aproveitei obviamente para fazer loggin no facebook), a passadeira das malas gira, gira (há um senhor a retirar as malas repetentes em que ninguém pega) e, de repente, a passadeira pára e a mala não aparece. Como não está? Como assim???
Próximo passo: fazer queixa do sucedido. A miúda que me atende tem uma letra péssima, percebe bem mas escreve mal o que lhe digo e parece não saber bem o que fazer, tal é a quantidade de perguntas que faz à colega que está ao lado. Descrevo a mala - vermelha, rígida, com código incorporado - fotografo a etiqueta que a identifica no meu bilhete e deixo-o anexo à reclamação e, passada quase uma hora, sigo para a saída onde estava o Sebastian - um miúdo amoroso e que fazia parte da equipa que acompanhou toda a imprensa estrangeira durante os dias da feira - e uma jornalista americana de Atlanta com quem partilhei carro para ir para o hotel. O Sebastián pede-me o papel da reclamação para tirar cópia e começar a tratar ele de encontrar a mala, juntamente com o aeroporto. Melhor assim.

Sei que entretanto quase me tornei insuportável…mas a ideia de alguém ter ficado com as minhas coisas ou…pior, de a mala estar abandonada num aeroporto qualquer, deram cabo de mim. Na verdade, a mala não apareceu nos primeiros quatro dias e isso estava a desesperar-me. Perguntava consecutivamente e sem olhar a alvos pela minha mala. "Já falaste com a aerolínea?", "Hay novidades de la maleta?", "Te llamarón como…hoy?". Acho que alguns deles já não me podiam ouvir, mas andar com a mesma roupa há três dias - lavar cuecas e t-shirt à noite para voltar a vestir na manhã seguinte - não pode dar saúde a ninguém, não é? O que acontece é que, até quarta feira, ninguém sabia nada da minha mala. E eu vi-me obrigada a intervir e a ligar para a companhia. A miúda que me atendeu "con mucho gusto" disse-me que não sabiam da mala, que a base de dados da AA não tinha notícia de nenhuma mala com o código da minha e que, mesmo que tivesse perdido as etiquetas, a mala ainda não tinha sido encontrada em Miami. Liguei para Lisboa mas a Ground Force não tem acesso às bases de dados de outras companhias senão da TAP. E em Madrid também não havia nota de que a mala tivesse ficado em Barajas. Insisti, que não podia ser, que não queria estar mais sem a minha mala, que a mala não podia ter simplesmente desaparecido sem deixar rasto, que era inadmissível deixarem uma jornalista a trabalhar na Colômbia durante uma semana sem uma satisfação e sem a mínima justificação para o problema. Insistência, chateação ou sorte, a verdade é que a miúda da American Airlines me ligou meia hora depois a dizer que tinham encontrado uma mala sem identificação, no aeroporto de Barajas, e que podia ser a minha porque tinha realmente as características que eu tinha descrito. Ficou combinado que a mala seria enviada para Medellín se chegasse antes da noite de quinta-feira, já que a partida para Portugal era sexta de manhã e não valia a pena mandar vir a mala de Madrid se ela não chegasse antes da minha partida. O alívio era evidente nos olhos dos pequenos assistentes da imprensa, nos meus - evidentemente - e até nos dos outros jornalistas. Um deles, o Héctor, do México, cada vez que me via com roupa lavada dizia que não me conhecia porque tinha mudado de roupa. À hora da partida de Medellín, reconheci a minha mala, identifiquei-a e tive vontade de a abraçar. Seguiu para o check-in - e eu a pedir às meninas do balcão para não a perderem, por favor, que já nem me lembrava bem do que tinha lá dentro. Na verdade, toda a gente da AA já sabia da história e muitas delas até me tratavam pelo nome sem sequer olharem para o bilhete. Sou tão famosa na Colômbia (!!). Obviamente não podia ficar por aqui. O avião cheio, eu a tentar passar com a carteira, a mala do computador-com-mais-mil-coisas e os sacos com chocolates colombianos e café colombiano e outras coisas colombianas e não é que, para eu espanto, pedem a minha comparência juntamente com o meu passaporte na entrada do avião. Ora eu! Mas está tudo bem com as pessoas? A sério? O que foi agoraaaa??? Queriam abrir-me a mala. Eu só dizia que a mala tinha estado desaparecida e que só a tinha ali agora porque na realidade ela tinha chegado na noite anterior à Colômbia. Um rapaz abre-me a mala, começa a abrir-me os champôs, a desembrulhar-me as saias e as camisas, o blazer e os calções. E ele a mexer em tudo, nos sapatos e nas meias, nas cuecas e na maquilhagem, nas garrafas de vinho que levava para entregar a um português na Colômbia e que nem chegaram a ver a luz. Inspecção feita, correr para o avião, as miúdas da entrada a dizerem o meu nome e a desejarem-me alte boa viagem "con muchísimo gusto". Miami foi outra conversa. Frio que dói no aeroporto (os ares condicionados daqui têm muito que se lhe diga) e o contacto de uma colombiana emigrada no Canadá, que me convidou para ficar em casa dela "con mucho gusto" logo que me apeteça viajar para Toronto. Evidentemente, a internet é para esquecer durante todo o processo de fronteiras, com mil carimbos e mil perguntas, "porque vem?", "quanto tempo esteve?", "para onde trabalha?", "traz droga, armas e comida consigo?", and so on. Con mucho gusto. 

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