Dia 2 em Santiago. A praça acorda cedo - como nós. Muito calor, escolhemos roupas frescas. O dia vai ser comprido - pensamos - entre as duas fatias de pão de forma torrado a que temos direito e que tentamos, a custo, conjugar com uma fatia de fiambre, outra de queijo, e uma embalagem de doce de frutilla (a maneira com que os chilenos dizem 'fresa', ou seja, morango). Os planos do dia eram simples: tentar ver o que nos tinha falhado no primeiro dia: La Chascona, a casa de Pablo Neruda em Santiago (tem outras duas na costa chilena), no bairro da Bellavista, além de que queríamos dar uma volta pela cidade.
Descobrimos um passeio de autocarro com umas nove paragens que nos pareceu indicado para dar uma volta mais rápida pela cidade. O percurso demora mais ou menos duas horas - entre paragens sem saída. O autocarro de dois andares apanha-se perto do mercado central - que, percebemos depois, é mesmo perto do nosso hostel. Um senhor de estandarte às costas levou-nos lá para reservarmos o lugar. Esperámos uns 20 minutos pelo autocarro, espera que nos deu tempo para irmos ao mercado comprar umas pecinhas de fruta. Cerejas e plátanos - que catita - e a prova de que os chilenos são muy sérios, como os próprios fazem questão de frisar. Isto porque entre milhares e milhares de pesos, demos uma nota de 10 mil em vez de uma de mil. O que - além de fazer de nós uns mãos-largas-só-com-mega-notas-na-carteira, torna-nos fáceis vítimas de um ataque pouco planeado. "Para que vea que nosotros, los chilenos, somos gente séria", disse-me o senhor entre a entrega de sacos com fruta e do troco. Por 19 mil pesos comprámos o bilhete de visita à cidade. Sentámo-nos no primeiro andar, máquinas fotográficas numa mão e mapa da cidade no outro, tentando decifrar ruas pelo nome das placas, de maneira a decidir onde e quando parar e sair do autocarro para ver melhor.
Tínhamos decidido voltar à Chascona (que quer dizer cabelo despenteado, já que a segunda mulher de Pablo Neruda, Matilde, era ruiva e com um enorme cabelo encaracolado que o poeta dizia que parecia o mar revuelto). Tivemos sorte: havia visita em espanhol às 14h30 o que nos permitiu ir ao Pátio Bellavista - um centro comercial a céu aberto (assim do género do Campera mas com mais restaurantes e lojas pequenas de recuerdos) - almoçar num instantinho um peixe com vegetais e um copo de bom vinho branco chileno. De corrida para a casa de Neruda, descobrimos que o poeta construiu a casa de Santiago em homenagem a Matilde e à sua paixão pelo mar: a casa está construída em três patamares diferentes que não são comunicáveis entre si a não ser pelo jardim da casa. E ainda me deu para perceber que a fábrica de vidro da Marinha Grande está a perder um grande negócio: Neruda dizia que a cor dos copos mudava o sabor às bebidas e adorava dar aos convidados copos de vidro colorido para que o acompanhassem nas tardes de conversa e bebida. O que, calculo, Portugal não saiba é que, para exemplificar essa paixão, a Fundação Neruda tenha escolhido copos coloridos feitos na Marinha Grande, em Portugal. (Aí está uma boa oportunidade de fazer negócio além-fronteiras sem ser com os pastéis de nata).
Depois da Chascona, metemo-nos outra vez no autocarro - não sem antes bebermos um sucedâneo de mojito perto da casa de Neruda e do teleférico (o bairro fez-me lembrar Palermo, em plena Buenos Aires, ainda que mais modesto e menos bem tratado). O passeio de autocarro pelo resto da cidade deu para perceber que Santiago não é tão suja e descuidada como nos queria parecer à primeira vista. Há bairros lindos com prédios novos - as construções fazem lembrar cidades europeias como Bruxelas ou Berlim. Estes bairros dão-nos a sensação, ainda assim, de que são os únicos bem tratados da capital chilena. Tudo o resto parece mal tratado, com pouco cuidado, como se pensassem que basta serem património para agradar (sem necessidade de tratar das coisas).
De regresso ao hostel pela rua do mercado, ainda nos deu para provar Huessitos (trigo cozido com um sumo muito doce onde bóiam frutas - neste caso pêssego em lata, mas também podem ser pêras minúsculas ou bocados de maçã) que custa cerca de 2 euros e é uma coisa muito típica do Chile. É fácil também dar com cães a toda a hora e a todo o momento, aos caídos, entre a estrada e os passeios - no átrio do prédio do nosso hostel, um cão badochas, preto e branco, repousa permanentemente entre a entrada do elevador e as escadas do prédio. Será o primeiro de muitos que conhecemos nos dias que passámos no Chile.
Regressados ao hostel, tempo de tomar banho e pegar nas malas de viagem: difícil foi chegar a Pajaritos - a estação dos autocarros - com as malas às costas e muito calor à mistura. Valeram-nos as empanadas compradas no mercado - a de piño com carne, ovo, azeitonas e cebola é a mais tradicional no Chile mas pouco recomendável a gostos mais sensíveis. O bus até Viña del Mar demora umas duas horas que, entre curvas, subidas e descidas, deixa-nos adivinhar uma mudança de paisagem que não esperávamos - passamos por muitas vinhas lindas de morrer - muito verdes - e começamos a descer para Viña por uma encosta que de típico tem pouco: entre as descidas a pique com terra muito irregular há palmeiras enormes que parecem ter caído ali, sem mais nem menos. A viagem também nos deixa reparar num dos maiores mistérios - e tema de conversa - da nossa aventura chilena: as centenas de pequenos altares espalhados por tudo quanto é estrada no Chile.
Reserva em Viña del Mar para dois dias e uma palavra em mente: casino.
Um dos altares da Catedral de Santiago, Plaza de Armas |
Descobrimos um passeio de autocarro com umas nove paragens que nos pareceu indicado para dar uma volta mais rápida pela cidade. O percurso demora mais ou menos duas horas - entre paragens sem saída. O autocarro de dois andares apanha-se perto do mercado central - que, percebemos depois, é mesmo perto do nosso hostel. Um senhor de estandarte às costas levou-nos lá para reservarmos o lugar. Esperámos uns 20 minutos pelo autocarro, espera que nos deu tempo para irmos ao mercado comprar umas pecinhas de fruta. Cerejas e plátanos - que catita - e a prova de que os chilenos são muy sérios, como os próprios fazem questão de frisar. Isto porque entre milhares e milhares de pesos, demos uma nota de 10 mil em vez de uma de mil. O que - além de fazer de nós uns mãos-largas-só-com-mega-notas-na-carteira, torna-nos fáceis vítimas de um ataque pouco planeado. "Para que vea que nosotros, los chilenos, somos gente séria", disse-me o senhor entre a entrega de sacos com fruta e do troco. Por 19 mil pesos comprámos o bilhete de visita à cidade. Sentámo-nos no primeiro andar, máquinas fotográficas numa mão e mapa da cidade no outro, tentando decifrar ruas pelo nome das placas, de maneira a decidir onde e quando parar e sair do autocarro para ver melhor.
Plaza de Armas vista da varanda do hostel |
Tínhamos decidido voltar à Chascona (que quer dizer cabelo despenteado, já que a segunda mulher de Pablo Neruda, Matilde, era ruiva e com um enorme cabelo encaracolado que o poeta dizia que parecia o mar revuelto). Tivemos sorte: havia visita em espanhol às 14h30 o que nos permitiu ir ao Pátio Bellavista - um centro comercial a céu aberto (assim do género do Campera mas com mais restaurantes e lojas pequenas de recuerdos) - almoçar num instantinho um peixe com vegetais e um copo de bom vinho branco chileno. De corrida para a casa de Neruda, descobrimos que o poeta construiu a casa de Santiago em homenagem a Matilde e à sua paixão pelo mar: a casa está construída em três patamares diferentes que não são comunicáveis entre si a não ser pelo jardim da casa. E ainda me deu para perceber que a fábrica de vidro da Marinha Grande está a perder um grande negócio: Neruda dizia que a cor dos copos mudava o sabor às bebidas e adorava dar aos convidados copos de vidro colorido para que o acompanhassem nas tardes de conversa e bebida. O que, calculo, Portugal não saiba é que, para exemplificar essa paixão, a Fundação Neruda tenha escolhido copos coloridos feitos na Marinha Grande, em Portugal. (Aí está uma boa oportunidade de fazer negócio além-fronteiras sem ser com os pastéis de nata).
Depois da Chascona, metemo-nos outra vez no autocarro - não sem antes bebermos um sucedâneo de mojito perto da casa de Neruda e do teleférico (o bairro fez-me lembrar Palermo, em plena Buenos Aires, ainda que mais modesto e menos bem tratado). O passeio de autocarro pelo resto da cidade deu para perceber que Santiago não é tão suja e descuidada como nos queria parecer à primeira vista. Há bairros lindos com prédios novos - as construções fazem lembrar cidades europeias como Bruxelas ou Berlim. Estes bairros dão-nos a sensação, ainda assim, de que são os únicos bem tratados da capital chilena. Tudo o resto parece mal tratado, com pouco cuidado, como se pensassem que basta serem património para agradar (sem necessidade de tratar das coisas).
De regresso ao hostel pela rua do mercado, ainda nos deu para provar Huessitos (trigo cozido com um sumo muito doce onde bóiam frutas - neste caso pêssego em lata, mas também podem ser pêras minúsculas ou bocados de maçã) que custa cerca de 2 euros e é uma coisa muito típica do Chile. É fácil também dar com cães a toda a hora e a todo o momento, aos caídos, entre a estrada e os passeios - no átrio do prédio do nosso hostel, um cão badochas, preto e branco, repousa permanentemente entre a entrada do elevador e as escadas do prédio. Será o primeiro de muitos que conhecemos nos dias que passámos no Chile.
Regressados ao hostel, tempo de tomar banho e pegar nas malas de viagem: difícil foi chegar a Pajaritos - a estação dos autocarros - com as malas às costas e muito calor à mistura. Valeram-nos as empanadas compradas no mercado - a de piño com carne, ovo, azeitonas e cebola é a mais tradicional no Chile mas pouco recomendável a gostos mais sensíveis. O bus até Viña del Mar demora umas duas horas que, entre curvas, subidas e descidas, deixa-nos adivinhar uma mudança de paisagem que não esperávamos - passamos por muitas vinhas lindas de morrer - muito verdes - e começamos a descer para Viña por uma encosta que de típico tem pouco: entre as descidas a pique com terra muito irregular há palmeiras enormes que parecem ter caído ali, sem mais nem menos. A viagem também nos deixa reparar num dos maiores mistérios - e tema de conversa - da nossa aventura chilena: as centenas de pequenos altares espalhados por tudo quanto é estrada no Chile.
Reserva em Viña del Mar para dois dias e uma palavra em mente: casino.