terça-feira, 8 de abril de 2014

buenos sábados #45

fazer contas e começar o dia com uma hora de diferença de buenos aires e cinco de Lisboa. acordar numa cama de colchão duro e três cobertores, em pleno deserto de sal, antes de o sol nascer, para ver o sol nascer. não se vê nada naquela casa feita de tijolos de sal, a noite escura só deixa adivinhar o que vimos no dia anterior, uma pequena aldeia no meio da Bolívia que recebe milhares de turistas por ano mas que nem por isso está preparada para receber. lembrar a chegada na noite anterior, horas e horas em autocarros, travessia de fronteira a pé, mais um taxi e câmbio, meia dúzia de cafés com cara de água suja. lembrar a vontade de um banho quente naquela casa de banho alagada e até aí, sem água morna. o esforço do dono da casa para arranjar banho quente naquela casa aquecida de sal. madrugada gelada acima, o dia a nascer a cada quilômetro de jipe. o barulho do sal em pressão contra os pneus, a paragem para as fotografias, o nascer do sol no sítio mais bonito que eu já vi. a paisagem sem fim, mesmo sem fim. as fotografias que não fazem justiça ao sítio, uma representação muito aquém daquilo que os olhos vêem e que a cabeça quer reter para sempre. e a certeza de que viajar vale sempre a pena e de que vale também conseguirmos deixar bocadinhos de nós nos sítios onde passamos e, ao mesmo tempo, deixarmos espaço vago para reter a energia que entretanto se acumula. o branco do sal no chão, a paisagem que não dá para descrever, a recomendação de que só indo para saber o que é - e mesmo assim, nem eu sei - o azul do céu, aquele azul do céu que impede o pestanejar que tão lindo que é. e depois aquela ilha, no meio de tanto sal, de um sal que não acaba, uma ilha de cactos, alinhados, desalinhados, só cactos. e ainda a paisagem no coração, na cabeça, e à minha frente sempre que os olhos de fecham. 
o regresso de jipe e o autocarro para Potosí, a cidade mais alta do mundo. partir de autocarro e chegar de carrinha de caixa aberta, que subir até cima não é pêra doce e os autocarros bolivianos resistem mas tardam. outra imagem na cabeça: os berros para nós deixarem tirar as malas da bagageira, a corrida até à carrinha, a subida. puxar malas, miúdos, senhoras. acomodar tudo em cima e a paisagem sem filtro e sem vidro, fotografada directamente da caixa aberta. as caras das pessoas surpreendidas com o nosso entusiasmo. a cidade alta, brilhante, antiga exploração de ouro, agora sem tanta riqueza. as casas inacabadas, cor de tijolo, sem janelas nem pintura. chegar e ir outra vez. nunca os sábados foram tão divertidos em viagem. este sábado, fora de buenos, ainda na minha latinamérica. 


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