sexta-feira, 30 de agosto de 2013

o ano da primeira vez.

Tango de rua num domingo de Agosto, em San Telmo.

Agosto não foi mês de praia, de sol, de esplanadas e de bronze. Pela primeira vez na vida, em 28 anos, Agosto não teve aquele sabor de sal no cabelo, de ossos a gelar no mar da Costa Nova, de fins de tarde a sacudir os pés no passeio de cimento da praia do Visual. Agosto teve graça no hemisfério sul - onde Agosto é inverno. E, por isso, Agosto também foi estranho porque às vezes parecia Janeiro - ainda que sem os aniversários de Janeiro (o mês-caos-de-aniversários-e-finanças). Teve o sabor de primeiro Agosto com sol de inverno, cachecóis, luvas e gorros. Agosto de matar saudades, de entregar trabalhos, de trabalhar muito à distância e de repensar outras tantas coisas. Agosto não teve areia espalhada no chão da casa de banho depois de acumulada nos bolsos dos calções, nem biquinis passados por água e pendurados na corda de secar atrás da nossa casa. Não teve a Rita Lee num fim-de-semana de costa Alentejana nem uns caracóis e um panaché ao pôr-do-sol, nem sequer um amanhecer na praia vindos directos da Estação da Luz. Nunca Agosto me tinha parecido tão estranho, tão diferente. Eu não o conhecia com casacos de fazenda, com saudades de peixe grelhado e de Feast nem com falta de caminhadas matinais à Barra, em passo acelerado. Agosto sem farol e sem paredão, sem Fórum e sem feira dos 28, sem o chegar e sentir que tudo é tão nosso, sem ir ao mercado do peixe comprar sapateira para o jantar, sem a tripa com chocolate da praxe, vai ficar-me para sempre na memória: o meu primeiro Agosto de inverno. O meu primeiro Agosto longe de casa.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

quatro meses de BsAs, meu amor.


E uma sensação dividida em dois: tanto que já foi; e ainda tanto por vir. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

buenos sábados #17

dormir sem culpas graças aos trabalhos já feitos, aos trabalhos entregues. dormir sem culpas mas com despertador para evitar outras culpas de faltar ao atelier de escrita. os sábados agora são sempre em san telmo, o bairro do tango na rua e do mercado de domingo que transforma as ruas e transforma o bairro numa outra coisa. sair de casa com tempo e encontrar o colombiano no metro. depois, andar com calma, gozar o sol e queixar do frio, do vento, do inverno. escrever sem vedar, sem parar, sem me preocupar se se percebe, quem percebe ou o que vai perceber. escrever sem sequer quase pensar. e sem pensar em português. voltar a casa, combinar jantar de portugueses com empanadas argentinas na minha futura casa nova. e depois ir a casa de argentinos, conversar em espanhol com vinho de mendoza. e ir a uma festa de anos argentina onde, onde não podia deixar de ser, danço reggeaton. sábado 17, já foste.

domingo, 18 de agosto de 2013

a morte é longa de mais.

Ela sorri quando ouve falar dele, como se o orgulho se baralhasse com as saudades e tudo fosse como se nada fosse. Leve, sem sentir a falta. Leve, sem pontuação. A verdade é que ela, Pilar, anda a falar dele, Saramago, pelo mundo. Anda a falar dele, escritor. Não dele, homem. Seu homem. Porque quando ela fala do homem, José, já não sorri como antes, nem os seus olhos se iluminam, como há pouco. Quando ela fala do homem, José, baixa a cabeça, os olhos tristes das saudades, um lenço tirado às escondidas da carteira, preta, como o saia casaco, preto, como os sapatos, pretos. Ali, só as pérolas ao pescoço sobressaem no luto de há três anos - que a nós nos parece que foram menos -, e ela não nega. As pérolas e a pergunta que lhe fazem, do fundo da sala. "Quando percebeu que se apaixonou por José?". Ela sorri e responde: "E vou dizer-te a ti?". Porque ela veio falar do Saramago - não do José - apesar de para nós o Saramago ser o José e de o José ser o Saramago. Só que quando ela fala de José há por ali a sensação do irremediável, do que não tem solução. "Depois da morte não há diálogo, não. Depois da morte não há nada. A morte é longa de mais.", disse na conferência de homenagem ao escritor - e ao homem - em Buenos Aires.

Para ela - por ela - o homem confundiu-se com o escritor e são os dois o mesmo. Quem nos fez crer isso foi Miguel Gonçalves, o contador da história. Quatro anos e 240 horas filmadas depois - com uma promessa de que ficaria uma semana naquela casa deles de Lanzarote, naquela rotina dele das torradas e da água fervida ao pequeno-almoço, naquele olhar dela desconfiado (entre queixas de cabos espalhados pela sala, entre refilanços de curiosidade a mais pelo homem e a menos pelo escritor). Miguel Gonçalves meteu-se na rotina deles, assistiu ao segundo casamento deles, fez parte da rotina deles. Fez um trabalho exemplar de recolha de material [que agora faz parte do espólio da Fundação José Saramago] e, sobretudo - me parece - um trabalho exemplar no processo de tornar-se parte de uma rotina. Parece-me também que só o conseguiu porque sabia exactamente o que queria, como queria, e de que maneira queria.
No fim, José Saramago - o homem e o escritor - elogiou-lhe o trabalho. Disse Miguel, em Buenos Aires [onde esteve na semana passada a propósito da homenagem da cidade ao escritor português], que José, o homem, e Saramago, o escritor - o retratado - lhe disse que José e Pilar - o documentário - era, mais do que um retrato, uma declaração de amor do homem, José, à mulher, Pilar.

Imagem do livro "Talvez o mundo não seja pequeno", de Virgilio Neto.

[O realizador português Miguel Gonçalves vive em S. Paulo. Está neste momento a gravar o documentário "O sentido da vida" que conta com a participação de Julian Assange, entre outros. Até 2015 deverá gravar "Evangelho segundo Jesus Cristo", obra adaptada do livro de José Saramago com o mesmo nome e cujos direitos pertencem ao realizador.]

buenos sábados #16

sábado dezasseis carregado de planos. contrariar o despertador até não poder mais. banho, secador de cabelo, spray para desembaraçar e para contrariar o vento frio de véspera de dia da criança. sábado agora é também dia de atelier de escrita criativa. há que puxar pela cabeça para não parar a evolução. há que andar mais a pé para sentir os barulhos da cidade. há que não parar de pensar para nunca parar de crescer. duas horas e meia quase sem parar de escrever. escrever à mão, esforçar para perceber a letra, pensar que se é para isto, mais vale abrandar o ritmo, escrever mais devagar mas mais perceptível. surpreender-me com o que escrevo - e bem - em espanhol. puxar pela imaginação sem quase parar para pensar se está bem ou mais escrito, que o bem vem por acréscimo, mais tarde ou mais cedo, não me canse eu de praticar. entrar no metro no sentido errado, andar duas estações, abrir o livro e sorrir para dentro sem ler, de ainda tão verde que parece o conhecimento desta cidade. e ver que o metro enche tanto ao sábado, ver que se enche de miúdos, que se enche de balões e do barulho dos balões que parecem não aguentar a pressão dos miúdos. e depois ir a uma exposição catita de livros únicos, artistas que fazem exposições em livro, ideia catita de cá que já foi exportada para uns tantos países do mundo. sorrir com o convite da Juli, que faz o esforço de se lembrar de me convidar para ir às coisas que ela gosta mesmo com medo que eu não goste. depois, pegar em mim e meter-me no metro. andar a pé e chegar ao centro cultural para ver Saramago grátis. para rever José e Pilar. e pegar em mim outra vez e voltar para casa porque já não há bilhetes. fazer jantar, rever filme. buenos sábados.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

buenos sábados #15

despertador entre dedos, adiar, adiar adiar. e um dois trabalhos em atraso para fazer, uma mão cheia de textos para ler, dois livros para passar a pente fino, a semana inteira de saudades mortas a acumularem-se, outra vez, de um dia para o outro. e o frio que não passa - ai segundo inverno, porquê? - e a água quente que falha de manhã, e a pilha de loiça que fica por lavar para mais tarde. e saber que o tempo não estica e perceber que a concentração é coisa que não abunda cá por casa. e depois, há a necessidade de apanhar ar, um iPod com músicas gravadas pelo Peter, muitas que me lembram os dias em que corríamos o mundo numa noite. e depois as saudades, e as pernas a acelerar, e o frio que se faz calor. e depois, um convite para uma festa. um jantar improvisado em casa. e, de repente, uma rotina que se começa a desenhar, tão por insistência como por vontade minha. e deitar, quase de manhã. e dormir pouco. e começar tudo outra vez.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

buenos sábados #14

mesmo que haja corrente de ar na entrada no hall do hotel de Montevideo; mesmo que o vento esteja frio e nos exija um casaco aconchegado ao pescoço durante a viagem de autocarro; mesmo que o peixe do almoço não seja grande coisa e que se passe o dia a revisitar uma terra que já se conhece - reconhecendo todos os cantos e recantos; mesmo que o vento esteja forte entre a manga de corredor e a entrada do barco de regresso a Buenos Aires; mesmo que seja difícil apanhar um táxi que nos leve a casa, com poucas malas e a pouca distância; mesmo que se compre fruta para jantar tangerinas descascadas com mimo e maçãs saborosas; mesmo que o sábado nem seja - a maior parte do tempo - em Buenos Aires; mesmo que tudo falhe, que tudo pareça que não nos pertence, que o dia seja igual a outro qualquer, e que as pessoas não sejam de uma simpatia que nos faça apetecer voltar; mesmo que nos cobrem de mais por um almoço mediano e que esteja vento e seja o segundo inverno do ano; mesmo que a internet não funcione; mesmo que fiquemos sem bateria no telemóvel que nos impeça de estar ligados ao mundo; mesmo que estejamos de mau humor, que as fotografias saiam desfocadas; mesmo que isto tudo e outras coisas que não me lembro; vocês estiveram aqui comigo. e, por isso, mesmo que esteja frio, o meu coração está quente.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

36 horas em Mar del Plata


A conclusão mais brilhante da viagem foi tirada pouco depois de chegarmos a Mar del Plata, a quatro horas de BsAs de carro: escolhemos o dia mais frio do ano para viajar; e isso deixa de ser boa ideia quando saímos da capital para passar um dia e meio na estância balnear que mais gente tem no Verão argentino. Mas que, em pleno Inverno, é só desagradável andar ao frio e à chuva.


Decidido ir de boleia e dividir custos de gasolina e portagens, e voltar na noite do dia seguinte, aproveitando os autocarros confortáveis para não pagar a segunda noite de hostel e dormir a caminho de casa. No carro, ainda se cantarolaram letras de músicas de Xutos&Pontapés com sotaque russo e porteño enquanto se discutia política argentina, campanhas eleitorais e os mais recentes acidentes de comboio deste mundo. 

Chegando lá, agasalhou-se o pescoço à altura do dia mais frio do ano com pico de vento + frio + humidade até aos ossos: comeu-se um bom assado no único restaurante não cheio por esses dias. Encontrou-se gente conhecida no hall do hostel, trocaram-se ideias que nunca se tinham trocado entre os cadernos e as leituras de jornais do mestrado e ainda se conversou entre mojitos na La Bodeguita, uma réplica da de Cuba.   


Andou-se muito a pé, viu-se - e cheirou-se - a reserva de leões marinhos e ainda se teve tempo de tirar fotografias entre os barcos e uma peixaria onde nem faltava o polvo português. 



Antes do regresso, jantou-se espetada de salmão e camarão frescos, bem boa, a fazer lembrar Portugal e o peixe dos bons restaurantes e das esplanadas de Verão (isto porque se jantou dentro do restaurante, depois de resolvida a logística de um look ao melhor estilo cebola: topo de alças, t-shirt, camisa, camisola de gola alta, cachecol, luvas, casaco.) 













Foram horas boas, as de Mar del Plata. Provaram-se churros com dulce de leche no Manolo, anchovas com salsa e alho numa loja de conservas no Porto, espetadas de "carne e pollo" numa parrillada e uns doces russos vindos directamente dos Montes Urais. E melhor do que tudo: houve uma noite em que, à mesa éramos muito mais do que o costume - Argentina, Itália, Suíça, Uruguai, Rússia...e Portugal. Está tudo bem, Mar del Plata.