segunda-feira, 30 de setembro de 2013

buenos sábados #22

aviso: há um dia que não tenho gás. sim, outra vez. cortaram-nos o gás - é a segunda vez em cinco meses que fico sem gás em casa. a logística obriga a banhos de garrafão e panela, com água aquecida na chaleira eléctrica. repetem-se os fins-de-semana, criam-se rotinas. primeiro as manhãs preguiçosas na cama. depois a escrita criativa a digerir o almoço, um exercício que já me valeu os mais rasgados elogios às visíveis melhorias no meu discurso-castellano-escrito. [ver-da-de] vem depois um regresso vagaroso, a ouvir os barulhos da praça, a dar uma espreitadela no folclore do palco montado no centro. andar sem tempo reconforta a cabeça porque dá espaço ao pensamento. depois, há trabalhos inacabados que enchem o resto da tarde. e um jantar de empanadas para aquecer um estômago que neste sábado, ainda não tinha visto quentinho senão um café em casa alheia. buenos buenos buenoooosssss sábados. vinte e dois. and counting. 





quarta-feira, 25 de setembro de 2013

ajamigas


Quando eu acordo, é raro o dia em que não tenho sempre dezenas de notificações pendentes no telemóvel. O fuso-horário de quatro horas de diferença não ajuda a manter as conversas em dia. Só que eu corro para as apanhar, leio-as em silêncio e comento-as depois (estratégia boa que deixa o telemóvel no sítio onde queremos e impede que estejamos sempre a tentar domar as notificações.) Faz este Setembro dez anos que elas são minhas amigas e que eu sou amiga delas. Já falámos tantas vezes nisto, de as amigas da faculdade serem as que ficam para sempre, que tenho pena de não estar em Lisboa para comemorar à altura do acontecimento. Quando nós nos conhecemos eu tinha um Nokia clássico, ainda a duas cores. Tínhamos todas, acho. Tínhamos isso e muitas dúvidas do que queríamos ser. A Catarina já devorava apontamentos em vésperas de frequências, os sublinhados a cores - primeiro uma, depois outra, depois uma terceira - geravam em mim a sensação de que tinha sempre o estudo atrasado. A Raquel viajava para a Golegã muitos fins-de-semana por semestre porque era chefe (e, na verdade, continua a ser) e sempre foi óptima a organizar horários e calendários porque sempre trabalhou. A Mimi já dava gargalhadas alto e bom som, como se essa fosse a maior força dela. A Débora já sofria por antecipação, já não tinha vergonha de cuspir tremoços e invejava - que eu sei - as nossas viagens à terrinha porque ela era a única que já vivia no sítio onde estudava. A Sara já era aquela ternura em pessoa que toda a gente conhece. A Açoriana já era magra e alta e gira e com força e sempre a falar e a cantar e a dançar e até já tocava com a ponta da língua no nariz. A Su já escrevia poesia e nós já víamos nela a tragédia-lírico-poética do grupo, em todos os sentidos e com as melhores histórias que se podem viver e ouvir.
Acho que fomos estreitando relações, diminuindo as distâncias. Hoje já sei que há assuntos que, falados com a Catarina, dão discussão certa. E sei que, em dias mais sensíveis, a Raquel - que raramente derrama uma lágrima - é capaz de estar a beber vinho enquanto fala comigo no skype e quase a soluçar de saudades. E sei que a Débora, por mais que tente, nunca vai deixar de se surpreender com as notificações nem deixar de usar o verbo composto "cagar a rir" mesmo que eu lhe diga mil vezes que não é verbo de menina.
E sei que tal como vocês me enchem o telemóvel de notificações e as chamadas conjuntas de skype de frases ditas ao mesmo tempo, também enchem a minha vida todos os dias. Se os estudos estão certos, esta amizade é para a vida.

domingo, 22 de setembro de 2013

buenos sábados #21

há sábados em que o tempo estica muito mais do que noutro dia qualquer. e, nesses sábados, parece que as vinte e quatro horas dão para fazer muito mais coisas. sábados preguiçosos que passam ligeiros. sábados que nos deixam acordar antes de tocar o despertador mesmo que insistamos em ligá-lo em dias em que não precisamos dele. sábados tardios, sábados bons, com tempo, que nos deixam tomar banho com tempo e passar creme pelo corpo como nunca fazemos durante a semana. sábados que permitem mastigar o almoço devagar, lavar os dentes com tempo, sair de casa antecipados e ainda parar num café e dar uma vista de olhos no jornal do dia que, por acaso, não encontramos, sem medo de chegar tarde ao curso de escrita. que nos dão tempo para parar na plaza de mayo e fotografar os pintores que nunca lá estão mas que no dia em que começa a primavera por lá andam a pintar, mesmo virados de costas para o objecto pintado. sábados saborosos de fazer tempo, que nos deixam entrar vagarosamente no metro, que nos permitem descer as escadas rolantes parados, à espera de chegar, sem pressa de não perder o metro porque a seguir vem outro e temos tempo. sábados demorados, sábados de primavera ainda com chuva que dão a liberdade de duvidar se saímos ou nos deixamos ficar, se vamos ou nos deixamos dormir a sesta. sábados em que nunca sentimos que andamos a correr, sábados tranquilos que não nos deixam mentir. sábados de caminhadas e de táxis, sábados de jantares bizarros entre uma rock-star transexual rodeada de miúdos e de graúdos com mais de sessenta anos num restaurante tradicional porteño com direito a quadros de pólo e cartazes que apelam à crença na igreja evangélica. sábados que nos levam depois a um bar onde só há gente de cá, com sotaque, com aniversários e com um não redondo quando, numa tentativa inglória, alguém pergunta se há martini. não, cá não há martini, boludos. e depois, estes sábados que nos deixam, mesmo fazendo isto tudo e outras coisas que não vale a pena detalhar, chegar cedo a casa para acordar a horas decentes no dia seguinte. e demorar no despertar, como se fosse sábado bom outra vez. este foi o número 21, aqui.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

nós

Quando um português se mete num avião para ir viver para qualquer parte do mundo, há aquela sensação de estar a deixar a casa que não vejo em nenhuma outra pessoa. Chorar é normal na despedida ao Tejo e à ponte. O Chiado claro e luminoso nunca sai da memória, nem os cafés nem os passeios pela Avenida da Liberdade. Quando um português chega ao destino, esse destino é sempre uma passagem. Mais do que o entusiasmo do ir, há sempre o desejo de voltar. Marcam-se viagens para as datas importantes e os olhos, por mais que brilhem onde quer que seja, nunca brilham tanto como quando o Skype chama e diz casa. Um português emociona-se quando ouve fado noutro país e, na humildade óbvia - que de tanta faz corar - canta mesmo rouco os loucos de Lisboa e repete, nem que seja na cabeça, que o português é a língua mais bonita do mundo. E que seria sempre, mesmo que só tivesse a palavra saudade. 
Quando está triste, o português pega no lenço de Viana cheio de flores e enrola-o ao pescoço: agradece quando lhe elogiam as cores e diz, com todo o orgulho do mundo, "é um lenço de Portugal". Porque não há ninguém mais vaidoso do que um português além-fronteiras; não há mais familiar do que ouvir o sotaque fechado de quem, mesmo que tenha acabado de chegar, sente que está longe há meses. Porque em cada português fora há um embaixador: que vibra com um bacalhau à braz servido numa mesa qualquer, que anseia uma Sagres mini mesmo que não goste de cerveja, que deixa um café Delta arrefecer só para lhe sentir bem o cheiro, e que chora - repito - chora, pela alegria de ouvir os poemas cantados como se se lembrasse de uma canção de embalar cantada à beira-mar, por uma voz familiar, daquelas que nunca se esquecem. 

domingo, 15 de setembro de 2013

buenos sábados #20

forcei a barra. sexta-feira de aulas, de jantar, de festa de aniversário. o Fran argentino fez anos, juntámo-nos na catedral do tango, um barracão gigante onde há aulas, comida vegetariana e malbec sem fim. o sotaque já engana em frases mais curtas e eu também, que até já levo amigos para jantar com outros amigos. pesseguinho na cara para esconder a pele branquela, vestido sem costas tapado com blazer - que o tempo voltou a não estar famoso, e tango no pé. tango e salsa com rock intercalado, numa mescla de estilos musicais que nem sequer se percebe bem mas que também nem cai mal. a conversa curiosa de quem ainda não se conhecia - não nos conhecia - passos de dança, vinho e conversa boa como se fôssemos amigos há anos até às tantas da madrugada. sem chuva, o sábado começa bem cedo, com boleia até casa e a sensação boa de já pertencer a alguma coisa. depois houve o habitual curso de escrita criativa, um esforço suplementar para concretizar o objectivo maior de escrever bem, quase perfeito, noutra língua que não é a minha (mas que às vezes me aparece na cabeça e me confunde as frases). passeio por San Telmo, sapatos bonitos, chá, mercado, fotografias antigas. limpezas ao fim da tarde, e uma noite para esquecer, com carteira - e cartões e chaves e documentos e telemóvel - roubados. e uma vontade de gritar asneiras em espanhol para toda a gente ouvir. nervos. e batota. era bom voltar atrás no tempo e não largar a carteira das palmeiras. caraças.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

buenos sábados #19


dores de cabeça ao acordar. pequeno-almoço na cama, iogurte-cereais-e-mirtilos, febre, dores de garganta e voz de doente. mais duas horas na cama, banho tardio, cabeça meia trémula, meia confusa. e chuva torrencial. buenos aires e chuva torrencial. comprimidos, pastilhas, chá de limão, gengibre e mel. mais chuva que entretanto acalma, bom cachecol ao pescoço e camisola de lã a aquecer as costas e a proteger o pescoço. autocarro e, de repente, fado cantado por argentinos. sim, isso mesmo. amália, carminho e mariza cantadas com um sotaque quase perfeito de porteña apaixonada pelos poemas portugueses que cantam os fadistas. e arrepios de cada vez que alguém diz saudade.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

o mundo é uma ervilha.

Conheci a Catarina por email. Respondi a um anúncio de um quarto num apartamento partilhado, perto do sítio onde eu queria viver. Apresentei-me como portuguesa e ela respondeu em português. A Catarina conhece a Débora, minha amiga da faculdade, porque andou com ela no liceu. O mesmo liceu onde os meus primos estudaram em Lisboa. A mesma cidade onde vivia a Rita que eu conheci em Buenos Aires por saber que ela conhecia a Sónia e que a Sónia falou nisso à Marta. A Marta que me apresentou a Bárbara e a Ana Paula, amigas que chegaram esta semana a Buenos Aires e que vão deixar que a nossa casa - a casa portuga - seja um dos pontos de paragem da volta ao mundo que andam a fazer há quase um ano. A Sara, conhecia-a mandada pela Raquel recém-chegada a Buenos Aires. A Sara conhece o Zé, companheiro de tantos trabalhos em Lisboa. E podia continuar com a cadeia, que isto talvez nem acabasse.
Reflexo dos tempos, no meu Facebook tenho amigos e conhecidos nos quatro cantos do mundo. A Débora em Londres (antes na Alemanha), a Rita, a Giu e o Nuno no Brasil, a Maria nunca se sabe bem onde, o Alexandre nos States, o Quirino na China (por agora), o Eduardo também não sei sabe bem onde e muitos outros espalhados por todos os continentes, quase sempre em trânsito, sempre a caminho de casa. A Bárbara, amiga da Marta, diz que quer voltar a Portugal. O mundo é uma ervilha cada vez mais pequena, sempre que conhecemos mais um bocadinho.

domingo, 1 de setembro de 2013

buenos sábados #18

fazer malas de véspera e deixar tudo pronto para a mudança. que a mudança, há que prepará-la para não doer. arrumar o que falta de manhã, aproveitar o último banho na terceira casa desde há quatro meses, sonhar com o primeiro da quarta. ir escrever à desgarrada, a novidade que já se tornou hábito de sábado, mesmo que o sábado inclua arrastar malas pela tarde fora entre quarto quarteirões. uma mala, duas malas, esvaziar uma, enchê-la outra vez. fazer contas ao peso e apanhar um táxi. desculpar-me ao Maurício que me convida para um café mais tarde. obrigada, sim, claro. obrigada pela ajuda. malas acima, malas abaixo, gavetas e cabides, fotografias guardadas e finalmente penduradas na parede, mesa de cabeceira em ordem, frésias frescas na jarra. sábado dezoito em bsas.