terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Diários de Atacama: Santiago, os Andes e a primeira casa de Neruda

Dia 2 em Santiago. A praça acorda cedo - como nós. Muito calor, escolhemos roupas frescas. O dia vai ser comprido - pensamos - entre as duas fatias de pão de forma torrado a que temos direito e que tentamos, a custo, conjugar com uma fatia de fiambre, outra de queijo, e uma embalagem de doce de frutilla (a maneira com que os chilenos dizem 'fresa', ou seja, morango). Os planos do dia eram simples: tentar ver o que nos tinha falhado no primeiro dia: La Chascona, a casa de Pablo Neruda em Santiago (tem outras duas na costa chilena), no bairro da Bellavista, além de que queríamos dar uma volta pela cidade.

Um dos altares da Catedral de Santiago, Plaza de Armas

Descobrimos um passeio de autocarro com umas nove paragens que nos pareceu indicado para dar uma volta mais rápida pela cidade. O percurso demora mais ou menos duas horas - entre paragens sem saída. O autocarro de dois andares apanha-se perto do mercado central - que, percebemos depois, é mesmo perto do nosso hostel. Um senhor de estandarte às costas levou-nos lá para reservarmos o lugar. Esperámos uns 20 minutos pelo autocarro, espera que nos deu tempo para irmos ao mercado comprar umas pecinhas de fruta. Cerejas e plátanos - que catita - e a prova de que os chilenos são muy sérios, como os próprios fazem questão de frisar. Isto porque entre milhares e milhares de pesos, demos uma nota de 10 mil em vez de uma de mil. O que - além de fazer de nós uns mãos-largas-só-com-mega-notas-na-carteira, torna-nos fáceis vítimas de um ataque pouco planeado. "Para que vea que nosotros, los chilenos, somos gente séria", disse-me o senhor entre a entrega de sacos com fruta e do troco. Por 19 mil pesos comprámos o bilhete de visita à cidade. Sentámo-nos no primeiro andar, máquinas fotográficas numa mão e mapa da cidade no outro, tentando decifrar ruas pelo nome das placas, de maneira a decidir onde e quando parar e sair do autocarro para ver melhor.

Plaza de Armas vista da varanda do hostel

Tínhamos decidido voltar à Chascona (que quer dizer cabelo despenteado, já que a segunda mulher de Pablo Neruda, Matilde, era ruiva e com um enorme cabelo encaracolado que o poeta dizia que parecia o mar revuelto). Tivemos sorte: havia visita em espanhol às 14h30 o que nos permitiu ir ao Pátio Bellavista - um centro comercial a céu aberto (assim do género do Campera mas com mais restaurantes e lojas pequenas de recuerdos) - almoçar num instantinho um peixe com vegetais e um copo de bom vinho branco chileno. De corrida para a casa de Neruda, descobrimos que o poeta construiu a casa de Santiago em homenagem a Matilde e à sua paixão pelo mar: a casa está construída em três patamares diferentes que não são comunicáveis entre si a não ser pelo jardim da casa. E ainda me deu para perceber que a fábrica de vidro da Marinha Grande está a perder um grande negócio: Neruda dizia que a cor dos copos mudava o sabor às bebidas e adorava dar aos convidados copos de vidro colorido para que o acompanhassem nas tardes de conversa e bebida. O que, calculo, Portugal não saiba é que, para exemplificar essa paixão, a Fundação Neruda tenha escolhido copos coloridos feitos na Marinha Grande, em Portugal. (Aí está uma boa oportunidade de fazer negócio além-fronteiras sem ser com os pastéis de nata).

Depois da Chascona, metemo-nos outra vez no autocarro - não sem antes bebermos um sucedâneo de mojito perto da casa de Neruda e do teleférico (o bairro fez-me lembrar Palermo, em plena Buenos Aires, ainda que mais modesto e menos bem tratado). O passeio de autocarro pelo resto da cidade deu para perceber que Santiago não é tão suja e descuidada como nos queria parecer à primeira vista. Há bairros lindos com prédios novos - as construções fazem lembrar cidades europeias como Bruxelas ou Berlim. Estes bairros dão-nos a sensação, ainda assim, de que são os únicos bem tratados da capital chilena. Tudo o resto parece mal tratado, com pouco cuidado, como se pensassem que basta serem património para agradar (sem necessidade de tratar das coisas).

De regresso ao hostel pela rua do mercado, ainda nos deu para provar Huessitos (trigo cozido com um sumo muito doce onde bóiam frutas - neste caso pêssego em lata, mas também podem ser pêras minúsculas ou bocados de maçã) que custa cerca de 2 euros e é uma coisa muito típica do Chile. É fácil também dar com cães a toda a hora e a todo o momento, aos caídos, entre a estrada e os passeios - no átrio do prédio do nosso hostel, um cão badochas, preto e branco, repousa permanentemente entre a entrada do elevador e as escadas do prédio. Será o primeiro de muitos que conhecemos nos dias que passámos no Chile.

Regressados ao hostel, tempo de tomar banho e pegar nas malas de viagem: difícil foi chegar a Pajaritos - a estação dos autocarros - com as malas às costas e muito calor à mistura. Valeram-nos as empanadas compradas no mercado - a de piño com carne, ovo, azeitonas e cebola é a mais tradicional no Chile mas pouco recomendável a gostos mais sensíveis. O bus até Viña del Mar demora umas duas horas que, entre curvas, subidas e descidas, deixa-nos adivinhar uma mudança de paisagem que não esperávamos - passamos por muitas vinhas lindas de morrer - muito verdes - e começamos a descer para Viña por uma encosta que de típico tem pouco: entre as descidas a pique com terra muito irregular há palmeiras enormes que parecem ter caído ali, sem mais nem menos. A viagem também nos deixa reparar num dos maiores mistérios - e tema de conversa - da nossa aventura chilena: as centenas de pequenos altares espalhados por tudo quanto é estrada no Chile.

Reserva em Viña del Mar para dois dias e uma palavra em mente: casino. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

jornalista fora, dia de caos no email

ando a trabalhar há dez dias - fiz há bocado as contas - e fora da redacção vai para o sexto. o lugar dos jornalistas é na rua, bem sei. e ando em sítio giros, a falar com gente interessante, a perguntar coisas e a perceber como funcionam os negócios. só que quando chego a casa e tenho que abrir a caixa de email para responder aos assuntos pendentes, apetece hibernar. um dia fora da redacção equivale a uma noite de caos -  no sofá de casa. 

(vale que esta semana há mais um blog-negócio tão bom como o da semana passada)

Diários de Atacama: só sobrevoar chega, para Santiago valer a pena

O aviso é dado uns 20 minutos antes da aterragem. Antes, já os olhos do João Pedro, na coxia da nossa fila, saltam por cima do meu ombro e tentam espreitar para ver aquilo que nós não conseguíamos descrever: os Andes podem ser, às vezes, sinónimo de turbulência mas são, garantidamente, símbolo de boca aberta de admiração. É que sobrevoar a cordilheira da América Latina tem muito mais de bonito do que de assustador. Até para estômagos sensíveis como o do João Pedro, que só sossegam com um bom calmante.

A primeira sensação é de pequenez. Sobrevoa-se a montanha gigante, tenta encontrar-se uma vida em miniatura no meio do relevo da cordilheira. A neve nos cumes mais altos contrasta com o tom castanho da erva seca, impotente face à enorme amplitude térmica local. Procurar a cidade de Santiago é, por isso, uma tarefa inglória: é difícil encontrar a capital - ainda que a cidade seja gigante - no meio da montanha. Na verdade - percebemos depois - o aeroporto fica longe da cidade (são uns 25-30 minutos, mais ou menos) e é impossível ver a cidade plantada no meio de um vale. Mesmo que estejamos a várias centenas de metros de altitude.

Chegar a Santiago quase 24 horas depois de ter saído de Lisboa tem um sabor a alívio: as pernas incharam por causa do calor e dos três voos e escalas consecutivos. E do aeroporto de Santiago não se vê nada da cidade. Nas chegadas, dezenas de taxistas tentam impressionar os turistas meio perdidos, entre as ofertas dos balcões e os cartazes A4 na mão dos motoristas. Só que - percebemos depois - de pouco valem os piscares de olhos: na verdade, o preço até ao centro da cidade é tabelado (16 mil pesos chilenos, qualquer coisa como 27 euros). E é para lá que nós vamos.

Plaza de Armas, a nossa vista em Santiago do Chile

A morada do hostel que escolhemos, um mês antes da viagem - e, para já, um dos dois que decidimos marcar em 11 dias de viagem - é em pleno centro histórico de Santiago. Na verdade, não pensámos muito no assunto e este pareceu-nos bem: boa vista, boa localização, bom preço. Tudo de bom, portanto. Só que, esta nossa impressão foi desmentida pelo taxista que nos levou à Plaza de Armas, não sabemos se por ser mesmo verdade que a praça é perigosa, se por ganhar comissão de nos levar para outro lado qualquer.

Apesar dos desmentidos, lá ficámos no sítio que estava planeado. A chegada mais cedo do que o previsto ajudou a conhecer a cidade logo no mesmo dia. Banho tomado, roupa lavada no corpo - e, muitoooo importante, sandálias nos pés - lá fomos dar uma volta pelo centro de Santiago e aproveitar um dos dois dias planeados na capital chilena. Não sem antes termos dado com um canivete suíço e um monte de moedas escondidos debaixo do edredon da cama do Pedro.

Andámos às voltas pelo centro da cidade, comemos no Dominó - um sítio "muy rico" segundo uma miúda que nos perguntou se estávamos a falar português (tinha estado no Brasil uns tempos e reconheceu algumas palavras). Eles escolheram umas sandes; eu, uma salada de frango, alface, queijo fresco e palmito. Nota para os sumos de fruta: deliciosos.

Depois do almoço, hora de procurar o bairro da Bellavista que, nos guias, é um dos sítios recomendados pelas casas coloridas. Não preciso dizer que tinha altas expectativas para as fotografias em cenário colorido que não foram confirmadas à primeira vista. O bairro não é nada de especial - a Casa-número-um do Pablo Neruda (há três casas do escritor no Chile abertas a visitas) já não tinha vagas para visitas nesse dia e o teleférico e o funicular estão fechados há meses e anos - dizem os taxistas perto da praça da Bellavista. À falta de alternativa - e perante um cenário de um sempre-a-subir-durante-duas-horas-e-um-calor-tropical - decidimos subir de táxi (custa 1000 pesos por pessoa).

Subir ao Parque e à Señora de La Concepción é ter o privilégio de uma vista que não se consegue explicar por palavras. Santiago ganha uma dimensão que ultrapassa muito o imaginável e até as fotografias panorâmicas com que andámos a sonhar durante meses: o pôr-do-sol visto lá de cima tem o sabor de um fim de tarde sonhado no frio europeu, com direito a brisa de calorzinho tropical bom. Dali, Santiago não acaba. Apanhamos metro até casa e compramos pizza no centro, a última tentativa de jantar perto da praça central depois das 10 da noite. Jantámos no terraço do hostel - sim, um terraço de sonho com vista para uma praça de sonho e com um calorzinho de sonho. Dia 1 - o efectivo dia 1 - cumprido. Com uma vista que valeu todas as horas de avião.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

os amigos também se namoram.


hoje vamos todas jantar. marcámos o jantar sem nos lembrarmos que esta é das noites mais caóticas do ano. e, obviamente, sem nos apercebermos que seremos provavelmente olhadas de lado: um grupo de miúdas solteironas vêm jantar fora para não chorarem as mágoas de um coração mal amado. só que, avisem-se já as vozes críticas, não somos isto. a graça de jantar fora em dia de corações, beijinhos e abraços, é ter a certeza que, como disse a Raquel um dia, "os amigos também se namoram". e é preciso muito amor no coração para ter amigas assim: com quem vamos jantar e que asseguram que é impossível o nosso coração andar às moscas. se dúvidas houvesse, claro.

a ilustração acima é das miúdas da beija-flor.  

meu amor.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Diários de Atacama: Lisboa-Santiago

Decidir repetir a experiência de uma grande viagem em pleno 1º de Janeiro é boa ideia. E isso vê-se logo quando, seis meses antes da partida, os planos da viagem ocupam grande parte dos meus pensamentos.
A viagem Lisboa-Santiago tem duas paragens - a primeira, em Madrid (o voo pela LAN ficava 300 euros mais barato do que o da TAP) e depois S. Paulo (onde planeámos uma escala de umas oito horas). Trocaram-nos as voltas ainda em Portugal. Houve três desistentes da grande viagem, ligaram à eDreams a cancelar, a senhora do atendimento enganou-se nos nomes, cancelou dois voos dos não-cancelantes e quando os voltou a marcar, marcou-os noutra hora. Conclusão: dois chilenos saíam de Sampa de manhã (uma escala de duas horas e tal). Terceiro chileno saía à noite. Solução? Chegar a Madrid e tentar mudar o voo do chileno número 3.  Conseguimos!
Tratada a burocracia restava-nos embarcar no voo de 11 horas e esperar por Sampa e, depois, por Santiago. A caminho do Brasil há Xanax para tomar depois do jantar - é esquecer que, afinal, não vamos ver os amigos que vivem em S. Paulo... E um friozinho na barriga por saber que se avizinham dias inesquecíveis de paisagens maravilhosas (isto tudo porque devorámos links de reportagens, fotoreportagens e todo o género de apontamentos sobre o norte do Chile).


No voo da TAM reparo no marketing de guerrilha total: os guardanapos anunciam um cartão de crédito de compra de viagens - será um sinal? - e os pacotes de chá já anunciam uma marca que vai tornar-se, mais para a frente, uma referência da nossa grande viagem de 2013. Chá Leão diz-vos alguma coisa? 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

não deixes para amanhã


ando a adiar os posts da viagem ao Chile. não sei se por medo de não me lembrar de todos os pormenores, se por medo de me lembrar e de as saudades doerem. uma coisa é certa: quanto mais tempo passa, menos provável é lembrar-me dos pormenores. a ver se avanço com isto.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013